Capítulo VI: Minhas dúvidas

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Não foi suave o pouso que fizeram. À exceção de Baludam, que como pássaro majestoso teve a oportunidade de planejar seu pouso, Oberom, Senidêssa, Aenir e Barbar Cavanha foram jogados no assoalho da grande nau com força. Levantaram cambaleantes e entre gemidos, que foram levemente suprimidos pelas maldições e profanações de Barbar Cavanha.

Imediatamente viram-se rodeados por homens e mulheres da mais variada espécie. Tinham em suas mãos toda a sorte de instrumento cortante, e olhavam os recém-chegados ao navio com olhar ferino. — Ora! Acalmem-se, cães! — Bradou Barbar Cavanha — voltem aos seus postos. Esta noite teremos convidados.

O entardecer veio com os raios vermelhos do sol, que mergulhava no mar, ao longe. A tripulação da grande nau fez os últimos preparativos para a ceia noturna. Oberom e Barbar Cavanha estavam encerrados na cabine do capitão desde que aterrissaram, discutindo qual rumo deveriam tomar a seguir. A discussão dos dois já se prolongava por muitas horas a fio, e vez ou outra, um marujo levava vinho e pão para os dois.

Baludam estava recostado em um dos corrimões do navio, admirando os últimos raios do sol. Gostava de saber que mesmo em tempos tão urgentes encontraria tempo para ver as animosidades da natureza, onde fazia deitar os seus mais primorosos pensamentos. Ouviu passos suaves se aproximando. Senidêssa juntou-se a ele, escorando-se no corrimão de madeira.

— Um doce açucarado pelo seu pensamento — disse ela, levando um pequeno quadradinho vermelho à boca. Ofereceu um a Baludam, que o pegou e saboreou a doçura de flores silvestres.

— Muito aconteceu, sacerdotisa. Mas, por mais perigos que este mundo venha a correr, em meu coração grande preocupação se faz presente. — Comentou Baludam, com certo receio nervoso na voz.

— O que o preocupa? — Indagou Senidêssa, lambendo o açúcar dos lábios.

— Bem... Oberom me garantiu que você sabia de tudo. Mas, exatamente, do que sabe?

— Se está receoso quanto ao fato de que eu saiba que você, Baludam das florestas, é um Élum, ou Filho de Fatäe, seja lá como quer ser chamado, peço que não tema.

— Não acredito que Oberom lhe tenha contado sobre nós! — Disse ele, surpreso.

— Bem, de fato não contou. Oberom não entrou em detalhes sobre o ocorrido à ocasião da corrupção de Fatäe em espírito malévolo, ou acerca dos seres que foram aqui jogados junto a ela. Uma vez que apenas o monarca de nosso reino está ligado ao pacto estabelecido entre Oberom e Oiváter há tantos anos no passado, eu, como Grã Sacerdotisa, não tenho o direito de escrutinar as memórias da Sala de Pedras Negras. No entanto, devo dizer que não foi difícil perceber o que estava evidente. Os olhos carmesim e negros de Fatäe são uma visão difícil de esquecer. E eis que em sua caverna, enquanto criatura ferina, você possuía os exatos mesmos olhos, que também o acompanharam quando se fez em corvo na floresta e quando tomou a forma de majestoso pássaro para tirar-nos das orlas da ilha.

— Sua perspicácia me impressiona, Grã Sacerdotisa do Vazio. Mais ainda, não sinto temor em seu alento. Não sente medo ao estar tão próxima deste ser que uma vez foi tão maligno quanto Fatäe? Que lutou e matou por ela, que fez-se por sua maldade, sentiu a sua dor, e que, por pouco, quase levou o próprio universo ao colapso?

— Pode ser que haja em meu coração espaço para temer todas as criaturas que Fatäe engendrou ou engendrará, mas não a você, Baludam. — Um breve silêncio se fez, preenchendo-se pelo som langoroso do mar tranquilo, que com dedos suaves, acariciava a madeira da nau. Os raios avermelhados do fim da tarde iluminaram a face alva de Senidêssa. — Quando criança, em muitas tardes de sol ameno, Oberom me permitia adentrar o Castelo de Prata e tomar chá com toda a sorte de doces que se pode imaginar. Nunca me esquecerei do brilho nos olhos daquele bardo, de suas mãos gesticulando e sua voz sorridente, contando das mais diversas encrencas, problemas e aventuras que havia vivido ao lado de seu infame amigo Baludam! Não imagina qual foi minha surpresa ao saber que a temida criatura da floresta era você.

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