Capítulo VII: Festa no convés

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A âncora foi recolhida, amarras foram feitas, sinos tocaram e velas inflaram com os ventos gelados do mar noturno. A grande nau de Barbar Cavanha era vistosa e bela, possuía ao todo treze grandes velas, que se prendiam em emaranhados impensáveis de nós. Á popa havia a enorme cabine do capitão, ladeada por pequenas escadas que levavam até o timão. No centro do convés a tripulação, quando não estava cumprindo com suas obrigações, dedicava-se a atividades lúdicas, cantando, dançando, jogando e o que mais lhes preenchesse o tempo.

A realidade do mar era dura para seus desbravadores, entretanto o mesmo não poderia ser dito da tripulação de Barbar Cavanha. Os alimentos eram sempre frescos e fartos, a nau sempre encontrava-se limpa e os marinheiros e marinheiras, ao término de suas tarefas diárias, animavam o convés com sua cantoria e bom humor. Seu capitão, embora duro em alguns momentos, comandava bem a todos, e sempre os soube guiar nas adversidades que o mar os impunha.

Após muito discutir e considerar, Oberom e Barbar Cavanha chegaram a um veredicto: navegariam seguindo sempre para o Leste até que alcançassem o continente, e enfim, os Juizados da Costa. Seguiriam em uma longa viagem, submetidos aos dissabores das marés.

Enquanto o navio zarpava, Oberom fitava as ilhas do Arquipélago Marinho que deixava para trás. Guardava na memória doces lembranças daquele lugar e jamais se esqueceria do dia que viu, daquelas florestas chuvosas em noite tempestuosa, os frangalhos amadeirados da embarcação que trouxera Oiváter para si. Nunca deixaria de lembrar com doçura dos tempos que viveram tal qual os animais silvestres, desfrutando a floresta, encontrando aconchego nos matos do derredor e expulsando quem quer que ousasse se aproximar demais de seu paraíso particular. Aquelas ilhas foram o bastião de sua alegria, o lugar onde a aurora de sua vida despontou e onde suas raízes encontraram conforto e paz. Eis que agora via as terras que um dia reluziram às distâncias, com o Castelo de Prata despontando de seu pico mais alto no penhasco à beira-mar, tomadas pelas tormentas turvas das Emanações de Fatäe. O ar à volta da ilha era venenoso e as margens plácidas que tocavam sua orla tornaram-se pútridas com a morte. Os risonhos e lindos campos e bosques avivados agora murchavam e tornavam-se escuros com o toque amortalhado. Os raios fúlgidos do sol não ousavam tocar o Arquipélago, pois o céu que outrora fora límpido e resplandecente agora repelia a luz com as forças torrenciais das Emanações.

"Lhe abandono agora, meu amado lar. Que um dia a paz possa lhe sorrir novamente, e que teu berço esplêndido nunca deixe de fulgurar em minha lembrança. Foste sonho vívido." Deu uma última olhada nas ilhas e virou-se, deixando que as águas salgadas lavassem sua tristeza.

Ao cair da noite, a tripulação da grande nau ficou em polvorosa. Pessoas iam e vinham às pressas, ora carregando grandes barris de vinho, ora transportando enormes tábuas de madeira com quantidades gigantescas de comida. O convés era grande o suficiente para que três mesas de madeira fossem preparadas para sustentar um grande banquete, com os barris de vinho e cerveja a permear cada pequeno recanto do local da comemoração.

Como um pequeno floreio, fitas douradas foram amarradas em toda a extensão dos emaranhados de cordas que prendiam as velas, que refletindo as luzes de fogo dos lampiões, abrilhantavam toda a nau e a enfeitavam de um alegre brilho. Gargalhadas e escarradas fumegavam no ar, canecas foram cheias. O cheiro de carne assada e salgada misturava-se ao ar fresco da noite marítima, e todo homem e mulher tinha em seu semblante sorriso prazeroso e contente.

Baludam e Senidêssa acompanhavam o andar apressado dos marinheiros e marinheiras com curiosidade nos olhos. Segundo Oberom, Barbar Cavanha levava muito a sério o ofício de capitão, e sempre achara um absurdo que peregrinos dos mares devessem esperar meses a fio até aportar em qualquer baía que fosse para só então encontrar algum divertimento em tavernas e bares. Por este motivo todo acontecimento era desculpa para uma comemoração. Aos olhos de Barbar, o fato de terem escapado com sucesso da ilha era algo digno de festejo! Não só isso, mas em seu coração, embora não transparecesse, estava feliz em rever Baludam e Oberom depois de tantos séculos sem ter deles nem notícia. Muito se surpreendeu ao descobrir que o tal "bardo conselheiro" do reino que há tantos anos pilhava era ninguém mais do que o velho Oberom.

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