Capítulo XXXI: Mistérios Bucaneiros

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    As águas cristalinas ofertavam seu pujante reflexo translúcido às paredes da caverna, onde já por horas, Anita e Oberom se encerravam. O bardo, tendo terminado seu relato, não prostrava-se mais como a figura esguia e altiva de sempre. Agora sua estatura era baixa, a pele muito pálida e macia. Nada lhe cobria, vestes ou tecidos, tendo apenas o contraste dos imensos e desgrenhados fios de cabelo negro que lhe desciam da cabeça a lhe ocultar as partes íntimas, lhe descendo até os tornozelos e se arrastar no chão.

    - Então foi esta a forma que usou para iludir as pobres criaturas? Ora, mas de onde lhe veio esta forma, meu querido? - Perguntou Anita, com os olhos brilhantes.

    - Ora, não foi para iludir que nesta criança me tornei! - Ao ouvir a voz bravia de Oberom no tom macio e doce do de uma criança, Anita teve de segurar o riso. Quão delicioso Oberom estava! A pele macia e pálida, os olhos sempre acastanhados, os lábios rosados e finos. Era uma figura inteiramente estranha e alheia àquele bardo endurecido.

    - Apenas queria contatá-los sem causar grande alarde. Devemos concordar que uma criança diminuta exerce menos medo e desconfiança que um homem feito, ou um espírito invisível. Enfim, cumpri minha parte em nosso pequenino acordo, Anita, agora me mostre você o que sabe fazer. Esta sua forma tanto me encanta, meu amor.

    - Por favor! - Esbravejou Anita, fazendo intensa força para conter o riso - traga meu velho Oberom de volta... haha, me soa extremamente cômico ser cortejada por um fedelho tal qual como está agora! Haha!

    - Então esta forma lhe é engraçada, Anita? Olha quem fala, você tem a cauda de um peixe, mulher!

    - E ainda assim você me olha com esses olhos famintos. Vejamos... é curioso...

    - O que é curioso? - Perguntou a criança.

    - Estou nesta forma há pouquíssimo tempo. Elevei-me das águas por Harmonia e Fantasia, e tão logo me percebi, já estava sendo guiada por um não sei o quê, até este lugar. Acho tudo muito curioso, pois de cada pequena coisa que não podia ou não sabia fazer quando humana, agora tudo me parece claro. Como se sempre o soubesse.

    - Anita, diferentemente de antes, você agora toma parte nos mistérios. E é exatamente disso que estes se tratam: descoberta, ver o que não se podia ver, saber o que um dia não se soube. Não sei por que razão está surpresa.

    - Nem eu entendo o porquê de estar surpresa. Afinal, quantas manipulações da Lei não vi você arremedar, não é mesmo?

    - Você está me enrolando! Vamos, me mostre. O que sabe fazer?

    - Venho o querendo fazer desde que pus os olhos em você, meu doce, meu amado, meu querido bardo. Deixe-me ver você tal qual me apetece, sim?

    E Oberom, entendendo o pedido de Anita, e percebendo a ânsia e a deliciosidade com que ela clamava por seu eu mais comum, pôs-se a mudar. A pele escureceu até o regular tom pardo, os cabelos se acastanharam e ficaram lisos, rente à testa. A pequena e rala barba apareceu, enfeitando seu rosto de homem. O corpo tornou-se esguio e uma pequenina e saliente barriga lhe avultou o regaço. Ali estava ele, não mais o infante espírito das florestas de outrora. Agora bardo e homem feito.

    Mas algo inesperado se sucedeu - Oberom não viu e mal teve oportunidade de reagir. Tão logo retomou sua forma ordinária, Anita avançou em um salto e prendeu-o em seus braços, para então trazê-lo às profundezas do lago salgado e cristalino. Agarrada em seu pescoço, Anita iniciou um nado rápido e fortuito, levando-os cada vez mais para as profundezas. Oberom deixava-se levar pelas mãos hábeis do belo ser a sua frente, que com olhar selvagem e rico de desejo, nadava de modo profuso e forte até as mais fundas instâncias do lençol d'água. Ele via as pedras brancas e acinzentadas ao seu redor ficando para trás, descrevendo um túnel de pedregulhos que escurecia a medida que afundavam.

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