Mauricio.:
Fiquei surpreso com a ligação de Lia, ela tinha me parecido bem decidida, mas algo em seu tom de voz me deu a entender que ela teve um motivo forte para mudar de ideia. Não pude evitar o riso quando ela me sugeriu que a chamasse pelo nome, e gravei seu numero nos contatos depois que ela desligou.
Fiz nossos horários juntos, das segundas as sextas, sempre depois de meio dia. Eu liguei para o centro de assistência social e pedi autorização para usar a sala vazia como sede para meu trabalho com Lia. Peguei todos seus dados, — nome dos pais, irmão, tipo sanguíneo, notas e frequência, inclusive o endereço de sua casa— e fui busca-la.
Evitei sair na minha BMW — é meu carro preferido, e um luxo que me permito ter — e saí no Siena. Eu não queria chamar atenção para minha classe social. Parei o carro em frente a sua casa de varanda, buzinei e depois me direcionei a porta. Queria conhecer sua mãe e o irmãozinho — gosto de crianças.
Assim que toquei a campainha, uma mulher saiu. A julgar pela expressão marcada, os olhos castanhos e o cabelo quase loiro, aquela devia ser dona Elena, a mãe dela. Uma mulher de trinta e nove anos, encantadora e simpática que me convidou para entrar e ofereceu-me bolo com suco. Eu não pude recusar, sempre adorei bolo de chocolate. Na sala estava um garotinho brincando de carrinhos; ele tem cabelos castanhos como o da irmã, porem um pouco mais claros; e ele me perguntou se eu jogava bola.
Logo ela desceu, assim como eu, usava a mesma calça jeans de hoje cedo, e o tênis, com uma blusa xadrez rosa com as mangas dobradas acima dos cotovelos. O cabelo estava preso em um nó no topo da cabeça e ela sorriu.
— Já conhece minha família. —Ela comentou.
— E o bolo de chocolate também. A proposito, está uma delicia. —Comentei. — Obrigado, dona Elena.
Ela riu alto e sentou-se ao meu lado, enquanto sua mãe servia um pedaço para ela. Enquanto eu comia com garfo, ela pegou com as mãos e comeu se lambuzando de chocolate.
— Lia! — Dona Elena repreendeu-a.
Ela só riu um pouco e continuou comendo, e depois lambeu os dedos.
— Delicioso, mãe. —elogiou. — Como sempre.
Lavamos as mãos, nos despedimos da mãe e do Marcos e saímos. Dentro do carro eu senti o perfume que vinha dela, algo como flores e terra molhada. Dei partida no carro e seguimos parte do caminho em silêncio. Ela só olhava pela janela, com a cabeça encostada no assento.
— Aonde vamos? —Ela perguntou de repente.
— Centro de assistência. —Falei. — Consegui uma sala para nós. Mas só até você evoluir; assim que for possível vamos encontrar estágios para você.
— Vou me dedicar ao máximo. —Garantiu.
Eu a olhei por um momento, avaliando sua expressão decidida e lembrei-me que ela havia prometido explicar-me o porquê de sua mudança de ideia, hoje.
— Você disse que me contaria o motivo de sua mudança de ideia hoje. —Lembrei-a.
Ela me olhou um momento, e depois voltou a olhar pela janela. Era difícil desvendar suas expressões...
— Vamos fazer um trato. —Ela propôs.
Eu a olhei um breve momento, pesando as consequências de um trato, e ela sorriu ao ver minha expressão, não fui capaz de recusar diante daquele sorriso. Assenti com a cabeça um pouco receoso.
— Te respondo a essa pergunta e as outras que eu sei que em breve virão, mas só quando eu achar que posso. —Ela disse. — Até lá não faço nenhuma pergunta sobre você, mas...
Ela deixou a frase inacabada para fazer suspense.
— Mas?
— Mas se eu responder, você também terá que se comprometer.
Eu estava pesando esse trato. Talvez ela só estivesse me enrolando para não contar seus motivos, e se fosse esse o caso, eu também nunca teria que falar nada. Mas se ela falasse, eu não poderia voltar atrás com minha palavra...
— Ou podemos apenas dar-nos mais tempo, e quando eu achar que posso, respondo. —Ela disse. — Mas aviso que eu também sei fazer perguntas.
Eu sorri de seu ultimo comentário.
— Acho a ultima opção mais viável. —Cometei.
— Ótimo. —Ela disse.
Permanecemos em silencio durante o restante do caminho, e quando chegamos fomos direto para a sala vazia. Eu tinha pedido para colocarem lá dentro uma mesa com cadeiras, um quadro negro, estantes e um mural. Mandei alguns livros e papeis, e preparei a sala para mim, mas também deixei algum espaço caso Lia quisesse por algo seu, já que ficaríamos algum tempo ali.
Ela entrou e avaliou a sala, não consegui identificar nada em sua expressão. Sentei-me, e tomei em mãos a agenda e caneta.
— O que gosta de fazer no seu tempo livre? —Perguntei.
— Ler, ouvir musica, ver TV, ir ao cinema.
Anotei cuidadosamente minhas perguntas e suas respostas para avaliar depois e encontrar perfis de trabalhos opcionais para ela. Ela foi bem direta e rápida, eu perguntava, ela respondia. Sem rodeios, sem brincadeiras... Ela estava mesmo levando a serio, o que é muito bom.
— O que detesta?
— Calculo.
— Preferi ambientes abertos ou fechados?
— Não sei bem.
Tomei nota: "Indecisão sobre ambiente no qual trabalhar". Ficamos cerca de mais ou menos uma hora e meia fazendo "perguntas e respostas", e no final acabei pedindo que ela colocasse seus deveres escolares em dia.
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Quando O Amor Cura...
RomantikLia Mariel é uma adolescente de dezesseis anos que apesar da meiguice que há em seu coração também carrega cicatrizes de uma infância lamentável. Com uma mãe e irmão menor, e contas para pagar, Lia precisa de uma saída para ajudar sua mãe. E eis que...