Capítulo 10

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Mauricio:

Depois que terminei tudo que eu tinha para fazer em casa, fui para o banho, que foi rápido por que eu só tinha vinte e cinco minutos para buscar Lia na academia. Me vesti e fui busca-la. Quando cheguei, encontrei-a em meio à uma conversa com Leticia e Pietro, e achei que ele estava se atirando. Minhas suspeitas cresceram quando ele se demorou a despedir-se e depositou um beijo em sua bochecha. Sem mencionar que Lia pareceu estremecer.

Levei-a para o centro social, destranquei a porta e enquanto tateava as paredes em busca do interruptor de luz, senti Lia vindo de encontro à minhas costas. E por mais patético que pareça, quando senti suas mãos em mim, um leve arrepio percorreu-me. Acendi a luz, e ao me virar, ela estava bem atrás de mim. Seus olhos fecharam-se, sensíveis a claridade repentina.

Quando ela abriu os olhos, e pude ver o marrom-madeira deles, quase entrei em transe. A franja caindo no rosto, cobrindo parte da sobrancelha e de um dos olhos, dava a ela um ar diferente e bonito.

Lia pareceu estar desorientada, quase derrubou o vaso e quando fiz menção de me aproximar, ela cambaleou para trás. Ficou o tempo todo me dando respostas curtas e diretas, parecia quase não querer conversar. Fiquei frustrado com isso. Provavelmente estava mexida com Pietro. Talvez ele seja um problema. Suspirei frustrado e resolvi leva-la para casa.

Durante todo o caminho ela não disse nenhuma palavra. Parei o carro em frente a sua e desci junto com ela.

— Valeu pela carona. —Disse.

Estava claro na expressão dela que ela estava confusa por eu descer também.

— Preciso falar com a sua mãe.

Ela assentiu e caminhou a minha frente. Abriu a porta e entrou, esperando que eu passasse para fecha-la.

— Lia, onde você estava...? —Dona Elena começou, mas parou ao me ver. — Senhor Lacaste.

— Boa noite, Dona Elena. —Cumprimentei-a. — Eu vim explicar o motivo da demora da Lia.

— Tudo bem, eu explico depois...

— Não, eu explico. —Insisti. — Dona Elena, Lia está trabalhando na academia de um amigo meu, Pietro Planar, e após o horário de expediente que é à tarde, ela vai estar comigo no centro social à noite. Por isso vai chegar em casa por volta dessa hora. Não se preocupe com os deveres escolares, eu já a alertei que se essa rotina a atrapalhar, terei que tira-la de lá.

— Não vai atrapalhar. —Lia garantiu.

— Lia, filha... —A mãe dela pareceu receosa. — Vai ficar muito puxado para você, tem certeza que é necessário? Nós podemos dar outro jeito...

— Mãe... —Lia interrompeu autoritária. — Não tem nada puxado. Eu só não vou ter mais tanto tempo livre. Posso fazer os deveres na escola mesmo, e o que não der, eu faço em casa antes de ir pra academia.

— Lia não vai trabalhar nos finais de semana, Dona Elena. —Acrescentei. — Nem nos feriados. Apenas de segunda à sexta. —Garanti.

— Mesmo assim. —Dona Elena realmente estava inconformada. — Você vai estar cansada demais, e vai acabar se enfurnando em casa, enquanto suas amigas e pessoas da mesma idade vão sair e se divertir. Eu não estou gostando disso, Lia.

Lia suspirou e caminhou para trás do balcão. Serviu-se de um copo de agua, e depois de beber e depositar o copo sobre a pia, contornou-o e parou frente à nós que estávamos sentados no sofá.

— A senhora não tem que gostar, mãe. —Ela disse. — É o que eu quero, e é o que vou fazer.

E com isso saiu pisando firme, subiu a escada e desapareceu. Observei Dona Elena suspirar derrotada e baixar o rosto nas mãos. Levei minha mão até seu ombro e apertei levemente.

— Ela está decidida, Dona Elena. —Tentei conforma-la.

— Eu sei. —Suspirou. — Conheço a filha que tenho, apesar de em alguns momentos ela não ser a garotinha sonhadora que eu gostaria que ainda fosse.

A frase dela me confundiu, olhei-a com as sobrancelhas franzidas.

— Nós já enfrentamos muita coisa, sabe? Lia amadureceu muito cedo... Primeiro ver o pai sair de casa daquele jeito, e me fazer o que fez... Depois perder Emily, a melhor amiga, para uma doença tão terrível como o câncer; e então perder o pai, que mesmo tendo destruído a imagem de bom homem que ela tinha dele, ainda era o pai dela e ela o amava. —Suspirou. — A vida foi dura com ela desde muito cedo. Eu queria que ela saísse mais, conhece mais pessoas, fizesse amigos, se divertisse... E olha agora, ela vai se matar para me ajudar nas contas de casa. Que mãe quer isso para a filha, Mauricio?

Eu nem sabia o que responder. Era obvio que o que Dona Elena me contou era apenas um breve resumo de todos esses acontecimentos. Mas estava claro no seu jeito de falar que tudo isso foi grave demais para Lia. Talvez ela seja mais do que me mostra ser. Dona Elena pareceu adivinhar meus pensamentos:

— Acho que você não tem como saber de nada disso, afinal Lia é muito reservada. Ela não fala dessas coisas, nem deixa transparecer nada...

— Compreendo. Eu preciso ir agora, já é meio tarde...

— Tudo bem, meu querido. Desculpe por nem ter agradecido sua ajuda...

— Eu entendo. Garanto que se a rotina for pesada demais para ela, encontrarei outro jeito.

— Obrigada, meu querido.

— De nada.

Saí em passos lentos até o carro, e depois dirigi devagar pelas ruas. As coisas que Dona Elena falou, me faziam crer que Lia talvez seja mais madura do que pensei. Não é atoa que ela aceitou a assistência mesmo não sendo de seu agrado, e isso apenas para fazer uma escada até encontrar um emprego e ajudar a mãe.

Em casa, fui direto para a cama. 

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E então, o que acham?

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