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Foi aí que conheci o Pitbull, um cara franzino com quem ninguém chegava a mexer. Ele andava sempre de boné. Quando o trocava, todos sabiam que havia sido tomado de alguém, e ele o exibia como troféu. Sempre tinha um canivete de pressão no bolso. Encarava todo mundo. Ele também, às vezes, sumia. Foi ele quem me provocou para ver se eu era macho mesmo.

-Cara, se você é macho mesmo, fume esta vela aqui na frente de todos. Quero ver se você é tudo o que dizem. - Não titubeei! Na hora do intervalo, fumei meu primeiro cigarro de maconha na frente de todo mundo. Fiquei zorozinho! Eu não caminhava, flutuava! Ninguém me dedurou, acho que por medo do Pitbull, mas agora meu poder tinha aumentado. Tinha um cara da pesada me protegendo.

*

O Samuel frequentava a mesma escola. Ele ficava de lado, não participava das bagunças. Eu não sei por que, mas eu gostava dele, apesar de ser manezão. Um dia, ele esbarrou em alguém no corredor, levou um soco e caiu no chão. Nem pensei. Voei para cima do menino e soltei o braço. O cara nem reagiu. Enchi-o de cascudos, cuspi, humilhei.

-Seu veado, o Samuel não faz mal a ninguém. Bate em mim. Ninguém mexe com amigo meu.

Todos me apoiaram. Só o Samuel ficou meio atordoado. Mas foi o máximo! Depois encontrei o Pitbull, ele me perguntou o que acontecera e eu lhe contei, e ele disse : - É isso aí, cara!

Na sala de aula, eu não conseguia me concentrar. Às vezes, ficava quieto, mas devaneando em meus pensamentos, quase sempre depois de ter fumado um baseado. Então escorada a cabeça na carteira e dormia. A professora ignorava quando isso acontecia, porque era melhor assim. Do contrário, eu estaria bagunçando. Aí eu dormia mesmo, melhor que na minha cama.

*

Aos doze tomei meu primeiro porre. Numa noite, descobrimos que nos fundos do mercadinho ficava armazenada a bebida vendida no lugar. Não precisa nem falar. Pegamos umas garrafas de cerveja e fizemos a festa. Mas foi a festa! Fomos até os fundos de uma praça, logo apareceu um som e o pau torou. Não me lembro de como cheguei em casa. Só de minha mãe gritando e eu a empurrando e ela caindo. Acho que gritei alguma coisa, do tipo - não se meta. -Ela me deixou.

Agora eu tinha mais um troféu : brigava, fumava, bebia. Bem, mas eu precisava continuar minha carreira. Tudo já era normal. E a escola era meu palco. Acho que era só por isso que eu não parava de frequentá-la. Eu odiava as aulas, mas a escola eu adorava. Sempre chamava a atenção de alguma maneira.

*

Comecei a ter raiva do Samuel. Eu o achava otário, andava todo arrumadinho. Até o dia em que não aguentei e perguntei :

-Cara, quem são e onde estão teus pais? - Ele encheu os olhos d'água.
-Não quero falar sobre isso.

Pensei : esse cara também é quebrado, só fica fazendo posse. Então insisti, e ele acabou contando. O pai estava preso por homicídio e a mãe foi pega traficando, e atualmente estava foragido. Vez ou outra ligava e mandava dinheiro. Mas ele não soube dizer como ela ganhava a grana.

Comecei a fazer pequenos furtos. Virei um mão-leve danado! Mas o Pitbull advertiu que não podia ser na nossa área, nem na escola, porque pegava mal. Era depois dessas aventuras que a gente bebia ou fumava um. Ou fumávamos um back para ninguém vacilar. Depois, reconstituíamos a cena e ríamos muito.

Um dia, a professora entrou na sala e estava a maior algazarra. Ela pediu silêncio uma vez, duas, três, sei lá quantas, e ninguém deu moral. Lá pelas tantas, ouvi quando gritou meu nome. Fervi! Nem percebi quando cuspi nela. Pareceu minha mãe. A sala ficou em silêncio. A professora pegou suas coisas e saiu.

-É isso aí pessoal, onde é que a gente estava? A sala é nossa! - E a algazarra continuou. Ficamos na sala até tocar o sinal. Outro dia, ficamos sabendo que trocaram a professora. Mas comigo não aconteceu nada.

A novaprofessora parecia mais experiente. No primeiro dia me chamou. Pensei que seria mais uma daquelas broncas que eu não ouviria. Mas ela foi legal.

-Quero conversar com você. Você é um líder nato e preciso de sua ajuda. Sem sua colaboração, não vai ter aula aqui. Por favor, tome conta da turma para mim. Aqui é você quem manda.

Funcionou. Quando a professora entrava na sala, eu já ordenava : - Silêncio, pessoal, que a professora quer dar aula. A sala respeitava. Se alguém demorasse a fazer silencio, eu ameaçava e pronto. Foi a primeira vez em que eu prestei atenção à aula. Mas era só naquela disciplina. Nas outras matérias, era uma festa. Afinal, ninguém tinha pedido ajuda.

*

Aos quatorze anos virei o pegador de mocreias. Pegava todas. Apostávamos quem pegaria quem e lá ia eu. Na verdade, eu chegava, falava algum papo que impressionava e agarrava. Umas gostavam, outras não, mas fui passando todomundo. Quer dizer, quase todo mundo. Oba, agora eu tinha mais troféus, e haviam de ser muitos. Quanto mais, melhor.

Tudo tinha virado motivo para festa. E quanta festa! Era sempre. Mas precisava ter bebida e droga. E droga era de tudo. Sempre se dava um jeito. E a "pegação" era grande também. Vacilou, dançou!

Mas que inveja do Samuel. Não é que o cara arrumou uma namoradinha firme? Andavam de mãos dadas, conversavam por um longo tempo, beijavam-se carinhosamente. Eu nunca conseguia conversar por um longo tempo. Meu negócio era outro : chegava, contava alguma vantagem, agarrava e fim. O que o Samuel tanto conversava? E como ele conseguiu ficar logo com a bonitinha? O que esse frouxo tinha de especial? Eu me perguntava essas coisas, mas logo esquecia. Isso me enchia.

Nessa época, uma garota que todos pegavam apareceu grávida. A pobre era a maior carranca! Foi a maior gozação sobre quem seria o pai. Lógico, ninguém era. Virou chacota. Um dia ela apareceu toda roxa. Tinha levado uma surra do padrasto. Deu polícia no meio. Virou assunto na escola toda. Logo, ela parou de frequentar a escola e o nosso problema se resolvera.

Na escola, minha sala virou piada. Não tinha jeito. Lá pelas tantas, parece que ninguém conseguia se importar. As trocas de professores eram constantes. Logo aprendemos a malandragem : perto das provas brigávamos com os professores. A solução era sempre a mesma : troca. Era tudo o que queríamos, assim não havia como o professor ser criterioso na avaliação e todos, ou quase todos, éramos aprovados. Eu sempre era aprovado, acho que ninguém queria encrenca comigo. Aprendi que as pessoas evitam o confronto, e essa era minha arma. Também não quer dizer que aprendia os conteúdos, era sempre na malandragem.

Um dia, na sala, na hora do intervalo, duas meninas se pegaram no cacete. Não sei por que, uma chamou a outra de piranha. A que foi chamada de piranha era grandona, começou a gritar, histérica, e soltou o braço. Foi carteira para todo lado! Aquele barulhão. A menor pegou uma cadeira e a confusão foi geral. A turma toda gritava, fazendo torcida, incentivando. Mas ninguém se meteu. Só pararam quando uma inspetora entrou na sala. Mas deu trabalho, as duas não se soltavam. Mas não aconteceu nada. As duas foram trocadas de sala. Essas confusões eram muito excitantes. Eu adorava aquilo. Um tempo depois fiquei sabendo que as duas haviam parado de estudar. Sempre terminava do mesmo jeito.

ToscoOnde histórias criam vida. Descubra agora