- Quando fiquei só, fui tomado por um misto de alegria, incômodo e confusão. Será que minhas chances já tinham se esgotado, Eu já tinha sobrevivido a três desastres provocados por mim mesmo. Será que haveria outra chance? Fiquei repetindo a mim mesmo: idiota, idiota, idiota. Como eu era um idiota!Fui para meu quarto. Desde há muito tempo minha mãe não falava comigo. Só reclamava alguma coisa ou xingava. Não se aguentou e, num tom amistoso, quis saber quem era mesmo o moço e o que tanto conversamos. Falei sem erguer a cabeça do travesseiro que era o professor Jeferson e que o que conversamos não interessava. Ela disse um palavrão, que eu não tinha jeito, e saiu. Dormi.
*
No outro dia, fui à escola, e era como se todos estivessem me olhando, e estavam, entretanto de um outro jeito: com recriminação. Mas acho que era eu que estava me culpando. E com razão!
Encontrei os colegas do time e todos estavam avexados como eu. Não tínhamos assunto. Haveria uma reunião na hora do intervalo. Não consegui prestar atenção na aula. Fiquei na minha.
- Ei, pessoal! Colabora aí que a professora está com toda a Boa vontade e vocês estão zoando. - Ainda chamei a atenção do pessoal que levantava e andava pela sala, sem propósito, atrapalhando a professora. Aquelas coisas de levar algo no lixo da sala só para dar uma voltinha. Ou o recado que não era importante, mas que não podia esperar. Agora eu achava aquilo um infantilidade, Um jeito besta de chamar a atenção. Será que eu estava vendo coisas?
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Chegou o momento da reunião. Estávamos todos cabisbaixos. Ninguém olhava ninguém. Comoreendi que o professor já havia falado com todos em particular. O professor estava sério e sereno.
- Moçada! Sabiam que deram um jeito de se boicotar? - boicote? É quando se tem tudo para dar certo, mas encontra-se uma forma de fazer dar errado - explicou que por motivos diferentes tínhamos nos aliado para promover um boicote na possibilidade de darmos certo. Se tínhamos vivido até agora com sofrimento, só sabíamos viver assim. Éramos viciados em sofrer! Que seria importante cada um examinar a necessidade individual de participar do boicote. Por que não podíamos dar certo? Sempre que houvesse perda de alguma coisa com a participação ativa do próprio perdedor, era boicote. Que absurdo!
Em seguida nos dispensou sem dar a mínima ideia do que iria acontecer conosco. Perguntou se podia nos esperar no próximo encontro, chamando cada um pelo nome. Não falou de time, nem de punição, nem de nada. Senti como se o problema estivesse apenas começando. Cada um voltou para sua sala de aula em silêncio. Estávamos mudos.
*
Sentei na minha carteira e tinha um tambor na minha cabeça que martelava: boicote, boicote, boicote...Que absurdo: eu provocava as próprias situações que davam erradas? Será? Será que minha mãe também fazia isso? Então é a gente mesmo que se destrói? O professor de matemática me fez uma pergunta e eu não soube responder. Alguém caçoou de mim e eu mandei se catar. O professor me repreendeu e eu acenei com a mão, em sinal de desculpas.
Na saída, o carinha que caçoou de mim veio tirar satisfações, querendo brigar. Dei-lhe um empurrão e ele bateu contra a parede. Quando eu ia arrebentá-lo, ecoou: BOICOTE! Parei e argumentei.
- Cara, deixe pra lá. Não é assim que se resolvemas coisas. - Duas meninas intervieram a meu favor e tudo ficou bem. O carinha levantou e foi embora. Mas outros provocaram, dizendo que amarelei. Fiquei com muita raiva. Se não fosse o professor, eu teria acabado com aquele cara.
No caminho de casa, uma moto passou por mim e buzinou. Era o Samuel. Será que era isso? O Samuel não se boicotava? Preferi pensar que todo mundo ajudava o Samuel e eu sempre tive de me virar sozinho. Qie essa história de boicote poderia ser balela e pronto. Quem sabe se eu me fizesse de coitadinho não seria melhor? Mas eu estava com muita raiva. Eu ia pegar meu canivete de volta e o próximo iria se ver comigo.
*
Naquele dia briguei em casa com força. Minha mãe veio me encher.
- Você não ajuda em nada, seu vagabundo. Seu come e dorme. Acha que aqui é pensão? Então pague.
- Olhe aqui, eu não pedi para vir a essa droga de vida e você é a responsável. Não faz mais que sua obrigação, e faz muito mal. Não passa de uma mocreia que gosta de dar pra todo mundo. Acha que eu não sei? Nunca consegui fazer nada na vida. Eu sou vagabundo sim, mas quem é você pra falar?
- Seu ingrato de uma figa...- não escutei mais. Ela gritou um monte de xingamentos e eu não ouvi nada. Bati a porta com toda minha força. Pensei que, dessa vez, eu a teria arruinado. Fui andar. Encontrei uns caras e ficamos jogando conversa fora. Fumei um monte, mas não bebi. Ninguém tinha grana e não quis pilhar nada.
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Tosco
Teen FictionUm jovem comum, reflexo de tantos outros empenhados em viver ou, muitas vezes, apenas sobreviver. De forma simples e direta, Tosco reflete sobre a condução da própria vida. Faz uma leitura de algumas razões afetivas envolvidas em seus comportamento...