Perto de casa morava o Samuel. É com ele que eu brincava. Ele morava com a avó e nunca tinha visto seu pai. Eu achava o Samuel meio lento para tudo. Logo descobrir que era fácil mandar no Samuel. Embora fora da escola ele fosse meu único amigo, eu sempre o sacaneava. Ele não falava nada. Acho que depois ele se queixava para a avó, mas não acontecia nada.
A escola passou a ser meu parque de diversões e onde eu adorava ir, embora tivesse começado a levar bronca todos os dias.
-Cadê sua tarefa? Assim você não vai aprender.
-Não deu, professora! - e sempre inventava uma desculpa.Meu prazer era aprontar : era a torneira da pia do banheiro que eu deixava aberta depois de trancar o ralo, estragava, de propósito, o material de algum colega, xingava, dizia palavrões, brigava, e assim por diante. Comecei a ser reconhecido! Quando era chamado à secretaria da escola, baixava a cabeça, esperava a professora ou diretora terminar a fala, respondia o que ela queria ouvir e continuava tudo igual.
-Combinado? Posso contar com você? - perguntava a professora. Eu consentia com um aceno, mas aquilo era mais uma bronca que me fazia ficar indignado, achava que todos podiam fazer o que queriam, menos eu.
Tantas foram às vezes que minha mãe foi chamada à escola. Virou até piada! Ela sempre dizia : - Em casa a gente conversa. Às vezes, ia me xingando da escola até nossa casa, mas nunca conversamos. Parecia que minha mãe e os professores tinham combinado. Então eu pensava : - Que se danem!
Quando eu estava com uns dez anos, minha mãe me flagrou fumando. Na volta da escola, eu e mais dois colegas procurávamos bituca de cigarro na rua. Logo a moda pegou. Era nossa ocupação de todos os dias. Quando ela me viu fumando, pegou um rodo e veio me bater, gritando a todos os pulmões.
-Menino vagabundo, era só o que faltava! Não tem vergonha? Sabe o que os outros acham disso, imprestável? Onde eu estava com a cabeça quando te fiz?
Segurei o rodo com força, rodei-o e o tomei das mãos dela. E provoquei :
-Vem me bater agora, vem!
-Você não presta, é igual a seu pai. Eu lavo as mãos. - Eu não entendi direito, mas tive a sensação de que daquele momento em diante poderia fazer o que quisesse. Não tinha limites. Naquela noite, fumei a noite toda. Ah! Também fui dormir sem tomar banho! Quer dizer, fiquei me virando na cama e não conseguia dormir.*
Um dia, tentei ensinar o Samuel a fumar. Mas ele não aceitou.
-Você está louco, cara! Minha avó vai se chatear. Ela é muito boa pra mim, não posso fazer isso com ela. Não posso decepcioná-la.
- Nada a ver, Samuel! Todo mundo fuma, você é um bundão.
-Eu até tenho vontade de fumar, mas perderia a confiança da minha avó. Então, tô fora. - Fiquei com muita raiva do Samuel. Que cara bobão! Naquele dia, quebrei um brinquedo do Samuel, e senti certo prazer quando o vi choramingando. Corri para casa. Não sei por que, mas fiquei invejando o Samuel.*
Aos onze anos, minha vida virou um terror. Minha mãe brigava, eu gritava de volta e a desafiava, dizia que ela não tinha moral para nada, que era uma vadia. Mas não aconteceu nada. Ela brigava de igual para igual comigo.
Eu sempre achava que as aulas eram um castigo. Ficava perguntando por que estudar. Aquilo parecia não fazer o menor sentido.
-Por que saber as histórias de gente que já morreu, professora?
A turma ria do meu questionamento e eu me sentia o cara. Faltava às aulas. Dizia que ia para a escola, mas não ia. Na escola, descobrir que dificilmente reprovaria, então eu só bagunçava. Quando a professora me chamava a atenção, eu gritava de volta.
-Qual é professora, só pega no meu pé. Cai fora. - Ela chamava a orientadora, a diretora. Podia chamar quem quisesse! Um dia, uma professora foi saindo da sala e eu saquei que seria chamado à diretoria novamente. Falei bem alto, para que todos ouvissem : - Vou até lá encarar essa. - A turma toda ficou me olhando sair antes que me chamassem à diretoria. Minha moral só crescia. Até que um dia veio o Conselho Tutelar. Chamaram minha mãe, que se fez de vítima. Contou uma história comprida que eu escutei, mas não ouvia uma palavra. Aquilo era um teatro. Final da história : nada aconteceu e eu continuei. Agora eu tinha mais um desafio : chamem o Conselho Tutelar, e ria. A turma me seguia.
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Tosco
Teen FictionUm jovem comum, reflexo de tantos outros empenhados em viver ou, muitas vezes, apenas sobreviver. De forma simples e direta, Tosco reflete sobre a condução da própria vida. Faz uma leitura de algumas razões afetivas envolvidas em seus comportamento...