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Mas um dia fui pego com a mão na botija. Chegaram uns caras na escola, erram os homens. Já chegaram perguntando por mim. Estava ferrado! Fui preso. Apanhei bastante. Queriam que eu contasse todo o esquema. Resisti o mais que pude. Mas não aguentei. Na verdade, achei que não valia a pena sofrer por ninguém. Tinha certeza de que ninguém se importava comigo. Contei tudo e agora eu estava mais ferrado ainda. Eu tinha dedurado a turma, o fornecedor, quem consumia. Eu era um cara morto! Mas acabei solto, não sei por quê. Quem sabe para ser morto? Pode ser...

-Olha, mano, ninguém aguenta a pressão, não. A gente não pode vacilar. Vacilou, tá na roça.
-Isso é lenda, cara. Capa o gato, que vacilou com a gente. Tá todo mundo de cara contigo. - Ainda bem que eu estava todo arrebentando. Assim pude me justificar, mas perdi a confiança. Passei a viver com medo. Porém fazia parecer que eu ainda era o cara. Mas não era mais. A liderança passou para o Chicão, que também tinha sido preso, mas não abriu o bico. Isso significa que ele era mais forte do que eu. Agora eu precisava recuperar minha reputação.

Então quis voltar à velha estratégia. Voltei a ficar excitado nas aulas. Simplesmente não conseguia parar. Na sala de aula, comecei a incitar os colegas. Cada atividade que era passada em sala de aula eu reclamava, questionava a razão de ser do conteúdo, o que soava como provocação aos professores.

-Mas, professor, será que é assim mesmo? Não tem outro jeito de resolver este exercício? - Então a turma ria e eu adorava a chacota que fazia. Os professores mais safos devolviam a pergunta, mas eu não me dava por vencido e apelava.
-Sei lá, professor, quem sabe aqui é você. - Nas aulas de história, eu tentava me destacar, fazendo parecer ter algum ideal. Ou melhor, criticar era comigo mesmo! Era só encontrar defeitos em tudo e em todos. Essa atitude fazia coro à vitimização que eu fazia comigo. Mas eu só queria um palco para recuperar meu prestígio. Porém quanto mais eu tentava, menos conseguia. A única coisa que eu conseguia era chamar a atenção, mas não notoriedade.

Enquanto isso, o tonto do Samuel seguia firme, já havia sido promovido no mercadinho, agora ele trabalhava como repositor de mercadorias. E na escola estava em todas. Se eu me considerava mais inteligente, mais esperto, mais sociável, porque não conseguia nada?

*

A hostilidade com que comecei a ser tratado depois que dedurei a turma era notória. O próprio Chicão ora me defendia, mas dizia que eu era mole, e se promovia às minhas custas. Ofendia-me verbalmente, quase chegando a me bater. Até o dia em que me pegaram. Estávamos bebendo na frente da escola. Quando fui comprar um "picado", alguém me fez uma crítica lembrando a história.

-Aí, dedo duro? Quer cantar de galo, mas é só mão-leve de araque. - Não tive saída. Enfrentei a turma. Repeti minha história, que ninguém aguentaria a pressão.

-Mas eu aguentei, seu banana - recordou o Chicão. E eu me danei - Só acordei na ambulância chegando ao hospital. Quebraram-me inteiro. Três dentes faltando na minha boca. Duas costelas quebradas. Além de esfolões e corte por todo o corpo. Fizeram-me de saco de pancadas. Depois soube que me deram por morto.

Ninguém me visitou no hospital, nem minha mãe. Voltei a pé do hospital para casa. Era muito longe. Senti muita dor! No caminho, pensei muita coisa. Sinceramente, desejei ter morrido. Que vida miserável era a minha.

Quando cheguei em casa, minha mãe estava no velho sofá com um homem diferente, como se nada tivesse acontecido. Eu não o conhecia. Minha mãe me olhou com desdém, e nem sequer levantou do sofá, e o cara não falou nada.

-Você ainda está vivo? Estes caras não fazem nada direito mesmo! - Fui para o quarto. Eu estava passado! Não sabia o que pensar. Não tinha ninguém nem nada. Agora nem turma eu tinha.

*

Em um final de tarde, apareceu o Samuel. Estava suado do trabalho, mas tranquilo, como sempre. Minha casa estava uma bagunça. A pia cheia de louças, a casa suja cheirando a azedo. Entrou e parece que se assustou com o que viu.

-E aí, meu amigo? Está melhor?
-Tô tora. Já vou ficar zero-bala. - Ficou uns cinco minutos. Praticamente ficamos em silêncio. Não havia o que falar. Achei que o Samuel me olhou com pena. Não conseguimos trocar uma ideia.

Não havia o que fazer. Fiquei de molho um tempão. Já não importava mais viver ou morrer. Resolvi que voltaria à escola. Afinal, ir à escola era o que eu fazia com prazer desde que me conhecia. Estudar já era outra coisa.

ToscoOnde histórias criam vida. Descubra agora