Aos nove anos, consolidei minha fama do cara que consegue o que quer. Eu até era na minha, mas que ninguém mexesse comigo. Não importava muito quem fosse. Agora, até com minha mãe eu já gritava. Ela me batia, eu chorava de raiva, mas não doía mais.
-Bate mais, bate mais forte, nem tá doendo.
-Cala a boca, menino, vou quebrar todos os seus dentes! - ela gritava. Nossa casa era uma verdadeira casa de loucos. Cada vez mais eu só fazia o que tinha vontade, não ouvia mais ninguém. Aliás, ninguém ouvia ninguém.*
O que eu não aceitava é que me chamassem por qualquer apelido, embora todos tivessem algum. Em todos os casos, aprendi a não levar desaforos para casa. Ninguém tirava onda de mim. Lógico, só quando o cara era alguém muito maior, invencível. Foi assim que fui ganhando moral e comecei a cantar de galo. Eu era tora, rato mesmo! Pense em alguém encrenqueiro!
Assim também era na sala de aula com os professores. Aquilo que acontecia em casa se repetia na escola. Tudo era motivo para distração. Embora não conversasse com as meninas nessa época, com os meninos era um terror. O uso de palavrões era a ordem. Quando algum professor pedia silêncio e eu estava bolado, respondia. Ia para a diretoria. Aí era um sermão! Aquilo era um saco! Depois voltava para a sala. Ai de quem fosse tirar o sarro da minha cara. Eu arrebentava na rua. Então, aos poucos, ninguém mais mexia comigo. Até os professores começaram a fazer de conta que não era comigo. A cada ocorrência, eu pairava.
No final do terceiro ano fundamental eu deveria ter reprovado. Deveria... Minha mãe foi chamada à escola e voltou de lá irada. Gritou, gritou e gritou.
-Menino vagabundo, não vai dar nada na vida. Escroto, só dá trabalho.
Na boa, eu nem grilava mais. Mas aí meu pai foi visitar a escola. Antes, me deu um dinheiro e me mandou até o mercadinho da esquina.
-Filho, busque uma garrafa da branquinha. É para me acalmar, senão arrebento aquela escola e os professores. O troco é seu. Mas vá correndo.
Rasguei e voltei logo. Depois, completamente bêbado, meu pai disse que iria sozinho conversar com a professora. Foi, voltou, e fui aprovado!
Foi a primeira e última vez que meu pai fez alguma coisa por mim. Hoje já não sei se foi mesmo por mim! Depois disso, ele foi embora. Saiu pela manhã e não voltou mais. Até hoje não sei o que aconteceu. Mas senti-me aliviado com o sumiço dele, pelo menos eu estaria livre das brigas e dos quebras que ele aprontava. E dos amigos dele, que se juntavam para beber e sempre acabavam brigando no final. Era sempre igual.
Passei a ser o homem de casa. Mas foi por pouco tempo. Logo minha mãe passou a sair aos finais de semana, e eu tinha de ficar sozinho em casa e não contar para ninguém, quando algum homem dormia comela. Até que arrumou um namorado. Eu o odiei e, sempre que podia, aprontava alguma para estragar o ambiente : batia as portas, quebrava um copo, gritava, aumentava o volume do som, e assim por diante. Não aceitava que ninguém, ninguém mesmo, me chamassem a atenção.
-Ah, se eu soubesse o que é ter filhos, eu nunca teria tido! - essa era a fala de minha mãe com frequência. Aliás, era um refrão. Eu pensava :
-Não pedi pra nascer! - mas ficava fulo da vida.
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Tosco
Teen FictionUm jovem comum, reflexo de tantos outros empenhados em viver ou, muitas vezes, apenas sobreviver. De forma simples e direta, Tosco reflete sobre a condução da própria vida. Faz uma leitura de algumas razões afetivas envolvidas em seus comportamento...