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Um dia, o professor Jeferson nos convidou para irmos à quadra da escola. Lá, separou os alunos pela modalidade de esporte com a qual tinham afinidades. Lembrei dos meus antigos tempos de futebol e que eu havia abandonado. Fiquei no grupo dos carinhas que gostavam de futebol. O professor Jeferson queria saber da experiência de cada um com a bola. Cada um contou sua habilidade. Surpreendi-me, contando animado de quando eu liderava a turminha do futebol no ensino fundamental. Contei umas passagens cômicas e todos riram. O professor Jeferson pareceu gostar e convidou o grupo para outro encontro.

- Estou querendo formar um time de futebol para disputar um torneio interséries. Preciso de gente comprometida e com vontade de vencer. Não vai ter espaço pra cara que dá bolo nem pra mau caráter. - Senti que era minha chance.

Na verdade, eu nunca fui bom de bola, daqueles que se destacam em campo. Sempre fui mediano. Por isso faltei à reunião com o professor Jeferson. Até o nome do professor eu havia esquecido. Mas trombei com ele no corredor da escola e ele me reconheceu e cobrou-me pela ausência. O professor Jeferson era um cara falante, descontraído, daqueles que ouve o nome do aluno uma vez e não esquece mais. Então, não tinha jeito! Na maior, ele falava as coisas mais duras, mas não ofendia. Passou o braço sobre meu ombro e me deu um sabão!

*

Dessa vez era um treino com bola. Eu joguei de calças mesmo, porque não havia levado calção. Aliás, nem tinha. Fui me colocandoem campo conforme as orientações do professor. Vez ou outra ele interrompia o jogo e orientava. Qualquer entrada desleal ele punia severamente. Eram três minutos de suspensão e é uma bronca em vós baixa que calava fundo. No final, ele quis conversar em particular com cada um. Só que não tinha nada a ver com futebol. Queria saber quem era quem: o que cada um fazia, onde morava, se trabalhava, se fumava e bebia, quem tinha namorada. Primeiro, fui me esquivando e ele apertando. Até que me enchi e falei tudo. Então ele me felicitou por eu ser sincero, disse que precisava de mim e perguntou se podia contar comigo. Dei a ele minha palavra sem pensar, depois me arrependi, mas já era tarde.

Na próxima aula, o professor chegou com uniforme completo: meias, calção e camiseta. Assinamos um termo de compromisso sobre o zelo com o uniforme e cada um se comprometeu em arrumar um calçado apropriado. Que compromisso! Como é que eu iria arrumar um tênis apropriado? Mas não parou por aí! Tivemos de assinar outro documento nós comprometendo com a equipe, em frequentar as aulas, em termos de bom comportamento e em tirar boas notas. Aquilo tudo me parecia impossível! Eu nem caderno tinha!

*

Deixei todos irem embora e chamei o professor e abri o jogo, disposto a devolver o uniforme e romper o contrato.

- Professor, não vai dar. É demais pra mim. Eu não tenho essa disciplina toda. - Ele me ouviu atenciosamente, em silêncio. Eu não imaginava que ele pudesse ficar em silêncio daquele jeito. Mas ficou. Quando terminei de falar, ele me deu um abraço e disse:

- Você é um cara de palavra. É de pessoas assim que o mundo precisa. - O professor tinha me enrolado novamente. Pediu que no outro dia eu chegasse 15 minutos mais cedo e o encontrasse na secretaria da escola.

- Amanhã eu nem venho e não coloco mais os pés aqui - pensei, sem falar nada.

Fui pra casa a pé, dispensei o ônibus. Minha cabeça parecia explodir. Eu não sabia lidar com aquilo. Jamais deu minha palavra a alguém. Fui direto para o quarto, como sempre acontecia quando alguma coisa né afligia. Abri o uniforme sobre a cômoda e fiquei olhando-o. Aquele professor mal me conhecia e me confiou o uniforme do time. Será que era uma armação? Virei 24 horas sem dormir.

*

Cheguei no horário e o professor já estava lá. Entregou-me um caderno, duas canetas, um lápis é uma borracha dentro de um saco plástico. Andou até um armário e me entregou os livros do semestre. Pediu desculpas por serem livros usados. Agradeci-lhe e disse que nunca na vida tive os livros do semestre. Fiquei perplexo. Acho que nem sequer me despedi do professor. Embora usados, pela primeira vez eu teria todos os livros.

Fui pra sala de aula e nunca senti tamanha alegria e responsabilidade. Eu não precisava mais fazer pose de relapso ou displicente. Bom,mas agora eu teria de corresponder. Eu já não sabia mais se isso era bom ou ruim. Ah! E precisava ainda arrumar um tênis!

Esse não era eu! Ou esse era eu?

ToscoOnde histórias criam vida. Descubra agora