Encontrar outra escola foi um sufoco. Mas minha mãe encontrou uma, até que legal. Na verdade, adorei minha mãe ter se importado comigo. No meu silêncio, fiquei feliz. Essa foi uma das poucas vezes em que vi minha mãe fazendo algo por mim. Será que minha mãe estava preocupada comigo?
A escola ficava meio longe. Mas davam passe de estudante e lá fui eu. Engraçado, embora não aproveitasse quase nada, a escola era a única coisa que eu tinha. Acho que, por isso, até minha mãe se importava que eu estivesse matriculado. É como se daí ninguém pudesse acusar minha mãe de negligente.
Não conhecia ninguém nessa escola. Ia ser difícil. Eu fui arrastado. Como de costume, os professores se apresentaram. Um monte de matéria para minha cabeça. Minha concentração era péssima. Mas lá estava eu. Não tinha caderno, nem caneta, nem nada. Emprestava uma folha de um, uma caneta do outro, sentava do lado para compartilhar um livro. Mas sempre foi assim!
Lembro-me do dia em que conheci o professor Jeferson.
A sala não era muito grande. Estava bem iluminada e parecia recém-pintada. As carteiras estavam em razoável estado de conservação e bem desorganizadas. Como já haviam tido outras aulas, não obedeciam a uma ordem. A sensação era de caos. Eram uns 30 alunos, mas o ruído era como se houvesse mais.
Logo na entrada da sala, em pé, estavam duas meninas enlouquecidas com o novo professor. Falavam alto e gesticulavam. Fiz de conta que não entendi. Então uma, A que parecia já ter uns 16 anos, aproximou-se do professor mascando chicletes e, com certeza, cheirando a cigarro.
- Você é o nosso professor? - perguntou, fazendo tipo.
- Sou, sou o professor de Educação Física.
- Hum! E vamos fazer muitos exercícios, professor? - O professor corou e acenou com a cabeça. Nessa fase, quase tudo é revestido com significados sexuais. Ela voltou para o lugar de onde veio e cochichou com a colega. Riram. Riram do professor que ficou sem graça. Objetivo alcançado!No fundo, à direita, escorado na parede com os braços cruzados, um menino de uns 17 anos. Usava boné e olhava fixo sem nenhuma expressão facial. Parecia ter um rosto de plástico. Ninguém conversava com ele é pareceu que ele não fazia questão disso. Nenhum caderno sobre a carteira. Sua fisionomia amedrontava.
Logo à frente, à direita, um grupo de cinco estudantes, sendo dois meninos e três meninas. Formavam um círculo entre si e conversavam animados. Perceberam a chegada do professor, mas continuaram como se não o tivesse visto. Formavam uma panelinha entre si, diferenciando-se dos demais. Pareceu acharem-se os bons.
Mais do lado esquerdo da sala havia um alvoroço. As risadas eram altas e a concentração de gente era maior. Havia gente de todos os tipos, uns com cabelo curto, outros usando rastafári, outros moicanos, outros com topete. Quase todas as meninas usavam cabelo comprido e liso, muitas com rabo de cavalo. Não entendi o motivo, mas a algazarra era grande. Comentavam algum acontecimento, tirando sarro uns dos outros.
Haviam ainda alguns outros alunos que pareciam não se enturmar com ninguém. Dois deitados sobre as carteiras com a cabeça enterrada entre os braços. Outros três jogando nos celulares. Um outro, com os braços cruzados, olhando para o vazio.
- Ei pessoal, vamos começar! - chamou o professor.
- Atenção pessoal, vamos começar! - o barulho foi diminuindo. Mas algumaspessoas continuavam conversando. O professor tratou de começar, mesmo sem a total atenção da sala.- É o seguinte: sou o novo professor de Educação Física. Hoje vamos começar aqui para combinarmos nossas aulas. Depois iremos para a quadra. - Todos fizeram silêncio, observando, avaliando.
- Para nos darmos bem, imaginem que sou um de vocês no lugar de professor. - Ainda escuto os gritos e assovios. Embora eu não estivesse muito a fim, ajudei a pôr a sala abaixo. Acho que durou uns cinco minutos a comemoração. Até que apareceu na porta um supervisor e perguntou o que estava acontecendo.
- Muito bem, pessoal, agora vai ser pra valer. Já fizemos nosso momento de descontração, agora precisamos começar! - Disse o professor com a fisionomia mais fechada e sem dar chances para interrupções.
- Antes de mais nada, quero saber quem vocês são. Todos têm experiência de anos em sala de aula e com as atividades de Educação Física. Então, preciso saber do que gostam e do que não gostam nessas aulas para termos um bom aproveitamento, seja dos conteúdos, seja dos exercícios.
- Putz! Que chato, professor! - Escapou, acabei pensando em voz alta. O professor me olhou e eu fiquei sem saber o que ele pensou.
- Vamos explicar os exercícios e para que servem. Ok? Tudo precisa ser compreendido - insistiu o professor. - O que não se entende, fica sem sentindo e aí é chato. Cada exercícios que faremos será explicado. Não se pode fazer nada na vida sem saber o porquê. É mais. Cada um de vocês tem um interesse pessoal. Todos poderão desenvolver as atividades segundo suas afinidades pessoais. O que acham?
- Manero, professor! - gritou alguém do meio da turma. Seguiu-se uma comemoração da turma toda em meio a assobios, com certo exagero, claro.
- Então, vamos lá, pessoal! Quero saber o nome e qual é a de cada um de vocês. Quem começa? - Virou aquele empurra-empurra, até que todos falaram um pouco de si. Claro, isso foi feito com muita animação.
Foi difícil prestar atenção ao que cada um falava. Cada um tinha um apelido ou fato pitoresco. Então, sempre virava gozação. Quando alguém exagerada na chacota, o professor chamava a atenção, A frase era a mesma: - Foi mal, professor!
Aos poucos fui descobrindo as panelinhas nessa sala e fui me enturmando.
- Eh, professor! Lá bem! - Era uma fala comum, quando o professor propunha alguma atividade que exigia maior participação ou um pouco mais de trabalho. Em princípio, tudo que vem do professor parece ser chato. Os adultos só ficam fazendo exigências e cobrando. Então parece legítima a resistência a tudo que é proposto!
- Qual é, professor? Dormiu de calças? - Era outra pergunta-exclamação quando o professor tentava se fazer mais exigente. Mas ele parecia decodificar o significado escondido em cada comportamento, em cada fala, em cada gesto.
- Professor, não esquenta, não. Quando não se concorda com alguma coisa ou não se gosta, é simples: a gente não escuta! Faz de conta que está dando moral, mas na verdade pensa-se em outra coisa. Faz de conta, mas não está nem aí. - Consegui explicar para o professor como as coisas funcionavam. Fiquei surpreso: Ele me escutou!
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Tosco
Teen FictionUm jovem comum, reflexo de tantos outros empenhados em viver ou, muitas vezes, apenas sobreviver. De forma simples e direta, Tosco reflete sobre a condução da própria vida. Faz uma leitura de algumas razões afetivas envolvidas em seus comportamento...