Casa de Pedra

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Sara preparou a cadeirinha da alicia no banco da frente da van, ao meu lado.

— Para onde estamos indo? — Questionei enquanto colocava o cinto de segurança e Sara assumia o volante.

Ela colocou o cinto e girou a chave — Sem perguntas sobre o nosso destino, ouviu mocinha?

— Por quê?

— Porque o caminho é a melhor resposta.

Levantei as sobrancelhas — Fala sério, por acaso você fica ensaiando essas frases de efeito?

Sara esboçou um sorriso — Eu disse: sem perguntas.

A estrada estava molhada, pois garoava bastante e a neblina da manhã deixava a visão turva. Apesar disso, o caminho foi tranquilo, pelo menos na primeira meia hora, pois Sara não ouvia as músicas que a maioria das pessoas ouvem. A atual esposa do meu pai nem mesmo ouvia rádio, curtia umas canções estranhas com aqueles sons de arpas, violinos, gaitas e outros instrumentos desse tipo. Músicas parecidas com aquelas usadas em cenas de filmes medievais.

— Ainda estamos muito longe? — questionei ao perceber que estávamos a mais de uma hora naquela estrada e também por notar que o asfalto havia dado lugar a um caminho de terra cercado por uma fileira de arvores jacarandás de flor roxa, forrando o chão num tapete de flores onde pouco se via algum sinal da terra batida da estrada.

Sara ofereceu um sorriso de lado — Estamos mais longe do que pode ver e mais perto do que pode imaginar.

Sorri e pisquei olhando-a através do retrovisor — Você podia escrever um livro de auto ajuda juntando todas essas frases. Aposto que venderia mais Augusto Cury.

Ela fisgou os lábios, como se meu comentário causasse desapontamento.

Chegamos num descampado largo e cercado por uma floresta, onde havia uma grande casa de pedra rustica, coberta de musgo e com uma grande trepadeira com folhas de três pontas fazendo sombra. O local não era habitado, deduzi ao ver os montes de folhagem seca esparsos pelo campo.

Na área ao redor, podíamos ver algumas arvores de eucalipto. Os troncos das arvores eram esverdeado e ao mesmo tempo colorido com tons de amarelo, vermelho rosado e um azul meio acinzentado. Difícil de acreditar, mas os troncos tinham manchas coloridas. A casa tinha um telhado único em formato de um cone achatado, como uma oca indígena feita de pedra, com telhado de barro ao invés de palha. Havia um mural baixo de pedra em formato circular com um pequeno portão de metal. A porta de madeira, aparentemente a única entrada daquela habitação, parecia ser talhada a mão, ainda estampava os nódulos em relevo do tronco.

Descemos do carro. Sara carregava a pequena Alice no bebe conforto transformado em carrinho. Um Salgueiro Chorão chamou minha atenção enquanto andávamos, uma arvore grande com suas mechas longas alisando o gramado. As suas folhas agitavam-se ao vento e, de uma forma muito peculiar, o movimento das folhas parecia nos acompanhar. O portão tinha um pequeno sino com uma corrente pendurada. Sara o tocou. Por alguns segundos o silêncio foi à única resposta ao toque da estranha campainha do século retrasado.

— Acho que não tem ninguém, hein? — Esbocei um sorriso nervoso e encolhi os ombros levando as mãos nos bolsos, aflita.

Sara olhou com tranquilidade e ofereceu um suspiro jocoso em resposta.

Após algum tempo, ouvimos estalos que vinham da porta de madeira, como se alguém a destrancasse por dentro. A porta abriu e um cachorro grande, cinzento e com focinho alongado surgiu ereto, nos encarando. O animal parecia ser um grande lobo selvagem. Soltei as mãos do bolso e segurei firme a blusa da Sara.

A esposa do meu pai manteve a tranquilidade e afirmou — Fique tranquila, ele não morde.

O animal parecia encarar Sara e, por mais estranho que pareça, podia jurar que ela acenou para o cão e que o animal respondeu chacoalhando a cabeça. Então o animal retornou o olhar para mim, encarando-me por alguns instantes. O lobo deitou o rosto e, como se tomasse consciência de algo ameaçador, começou a rosnar. Fiquei apavorada, mas antes que meu coração saltasse pela boca, uma mão idosa surgiu de atrás da porta e pousou sobre a cabeça daquele monstro peludo. O animal, quase no mesmo instante, olhou de volta para a pessoa que o acariciava com um grunhido agudo de suplica, reconhecendo seu dono.

— Calma, menino, calma — dizia uma voz feminina e arranhada, de pessoa idosa. Em seguida, a dona da mão enrugada e da voz surgiu de trás da porta entre aberta. Uma senhora, aparentando ter mais ou menos setenta anos, ajeitou os óculos, forçando a vista para nos enxergar.

O lobo entrou na casa.

Sara ficou sobre a ponta dos pés, excitante, como um pequeno animal ao rever seu dono que acabou de voltar de viagem.

— Achei que nunca mais fosse vê-la minha querida — comentou a senhora olhando para Sara, de forma simpática e oferecendo um largo sorriso.

Sara levantou os ombros — São os caminhos, Lia — suspirou profundamente. Era a primeira vez que via a Sara daquele jeito, agindo como uma adolescente de treze anos ao se aproximar de um youtuber famoso.

A senhora olhou para mim e, depois de oferecer um olhar sisudo para mim, se voltou para Sara — Sua acompanhante não confia em você, porque a trouxe alguém tão pobre de espirito?

— Ela é uma boa garota, só precisa de ajuda — respondeu Sara.

A senhora nos oferecia uma postura desconfiada, mas ainda assim nos convidou — Entrem.

Sara abriu o portão, mas reagi ao gesto — Você está louca! Eu não vou entrar aí, você viu como aquele cachorro rosnou para mim?

Não seja tonta, ele é só animal domesticado cuidando de sua dona.

Respirei fundo — O que viemos fazer aqui?

Sara ficou séria — Se pudesse explicar com palavras, não teria pedido para vir.

Entramos.

A Imperatriz de LevronOnde histórias criam vida. Descubra agora