Não deixa ele fazer isso, pai

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Aquela noite foi uma tortura, não consegui dormir. Entrei no whatsapp, mas ninguém que pudesse confiar estava online. A mesma coisa no facebook, apenas postagens idiotas de alguma franquia de filmes ou memes políticos anti partidário. O tempo não passava, os pensamentos dedutivos e as lembranças consumiam toda a minha vitalidade. A madrugada foi ainda mais tensa. Pensei em milhares de impossibilidades imagináveis de como poderia não ter acontecido aquela merda toda. Ignorar? Talvez um dia esquecesse. Porém, enquanto tentava convencer a mim mesma que aquilo que aconteceu ou que se tornaria apenas uma lembrança ruim, as palavras Não saia do circulo vinha a minha cabeça como um mantra. Assim como acontece com todas as pessoas que sofreram uma tragédia, minha mente procurava um ponto chave do passado que determinou ou poderia ter evitado o que aconteceu comigo. Não ter ido a casa de pedra? Talvez, mas isso não evitaria a tal coisa que a Sara afirmou estar dentro de mim. Puta que o Pariu! Eu saí da porra do círculo, não fosse isso tudo teria acabado ali mesmo. Essa foi à conclusão aterrada. Dali em diante, minha angustia ganhou um culpado, o momento que decidi sair do círculo. Decidi conversar com a Sara para perguntar o que aconteceria com quem saia do círculo.

A madrugada seguia, foram horas longas, até enxergar o primeiro sinal do sol raiando. Corri para a cozinha, meu pai estava sentado à mesa, ainda de pijama. Estranhei o fato dele não estar pronto para o trabalho, mas decidi passar por ele sem comentar nada. Até aquele momento, foi tudo que me lembro, não sei como, ou exatamente quando, perdi os sentidos.

Despertei um pouco atordoada, senti minhas mãos amarradas e não conseguia enxergar nada. Não era como se tudo escurecesse, mas como se eu não compreendesse as formas dos objetos a minha volta. A imagem do meu pai jogando agua em mim com um balde ia, aos poucos, tornando-se inteligível. Onde eu estava? Reconheci a cozinha, mas por que estava amarrada? Dois homens vestidos como paramédicos estavam ao meu lado, um deles preparava uma seringa. Meu pai estava com a face deformada pelo desespero, deixou o balde e pressionou o próprio antebraço, tentando reter o sangue escorrendo de uma ferida horizontal com a largura de um dedo.

Papai me olhou com a face desmanchada em tristeza quando me ouviu perguntar — O que está acontecendo, pai?

Meu pai gritou aos homens — Ela está voltando a si.

Seu anuncio não foi suficiente para impedir o homem com a seringa. O paramédico começou a procurar alguma veia em meu antebraço. Eles se prostravam com visível insegurança, encurvados, tentavam se aproximar e me segurar, tal qual um animal fugido do cativeiro.

Tentei me soltar, mas minhas mãos estavam amarradas por trás da cadeiras, meu colo amarrado ao assento e as minhas pernas as pernas da cadeira — Porque vocês me amarraram? O que está acontecendo pai, o que tem nessa seringa? — A face do meu pai se deformava, choroso. — Me tira daqui! — supliquei esperneando, ao ver o homem aplicar, seja lá o que fosse, em minha veia. — Não deixa ele fazer isso, pai, por favor? 

A Imperatriz de LevronOnde histórias criam vida. Descubra agora