Acordei em uma cama com bordas metálicas. Percebi que estava usando uma camisola hospitalar, meu braço direito estava ligado a uma bolsa de soro e meus pulsos e pernas presos á um bracelete de metal com revestimento almofadado. Meu pai dormia ao meu lado. Seu corpo desajeitado na cadeira fazia com que sua respiração produzisse um ronco alto. Olhei em volta e não vi mais ninguém, estávamos sozinhos naquele lugar. Tentei levantar, mas senti um solavanco puxar meus braços. Tiras parecidas com as usadas em cinto de segurança ligavam braceletes à cama e só permitiam que eu conseguisse levantar meio corpo.
Meu pai fez um barulho alto, sufocado, então mexeu a cabeça, mas em seguida voltou a dormir. Após algum tempo, a porta do quarto abriu. Deitei com a cabeça voltada a porta mantendo os olhos fechados. Fiquei imóvel, fingindo inconsciência. Ouvi sons de passos, depois barulho de chaves e por fim um som de metálico vindo da mesa próxima à cama. Algo afundou o coxão, provavelmente alguém que tentava regular a quantidade de soro. Os sons dos mesmos passos se repetiram, mas dessa vez parecia reproduzir alguém se distanciando até o barulho da porta encerrar a intervenção do silêncio. Levantei parcialmente as pálpebras, mantendo os olhos fechados, mas de forma que pudesse enxergar, mantendo a visão turva. Não vi ninguém e, fosse quem fosse, já deixou o quarto, deduzi. Virei à cabeça, fingindo um leve espasmos muscular. Meu coração disparou quando reconheci uma silhueta de uma pessoa sentada em uma cadeira ao pé da cama. Era Sara, ela me observava indiferente
— Eu sei que está acordada, pode abrir os olhos. — comentou ela com a voz embargada em um tom congelante, vagaroso e grave.
Abri os olhos — O que aconteceu?
Ela cruzou as pernas e apoiou as duas mãos a grade no pé da cama — A sua situação se agravou muito Hanna.
Olhei para o meu pai, o velho continuava a roncar. Voltei para ela — Se você quer me ajudar, porque não falou a verdade para ele?
Ela suspirou — Que verdade? Acha mesmo que vai adiantar alguma coisa se eu disser o que aconteceu naquela casa?
— Não sei — olhei para meus braços — Onde estamos?
Ela levantou e caminhou até ficar ao meu lado — Você está em uma clínica de recuperação para viciados.
— Como isso aconteceu?
— Depois que atacou seu pai, dois paramédicos e também uma enfermeira. Os médicos pediram para manter você sedada.
— Isso é mentira. Jamais atacaria meu pai. A quanto tempo estou aqui?
— Hoje é o terceiro dia.
Sacudi minhas mãos presas à cama — Isso é mentira!
Sara suspirou novamente, retirou o celular do bolso e mostrou um vídeo com a imagem tremida, onde mostrava eu mordendo o braço do meu pai enquanto ele tentava me segurar. No vídeo, estávamos dentro da cozinha e ele esbarrava em potes e panelas tentando me controlar. Foi o que aconteceu depois que acordei naquela manhã em que apaguei e acordei amarrada na cadeira, estava obvio. Em seguida, na tela do celular, apareceu outra imagem, mas desta vez era um vídeo estável, preto e branco. Uma gravação de câmera de segurança do quarto que estávamos. Nesse segundo vídeo, eu acordava, aparentemente consciente, e pegava um extintor, depois me escondia atrás da porta até uma enfermeira entrar e ser agredida por mim. A funcionária do hospital levou uma pancada na cabeça com o extintor. O vídeo cortava depois de me mostrar saindo correndo do quarto. Em seguida, dois funcionários da clínica surgiam, um deles me carregando na costas enquanto me debatia desesperadamente. Um corte brusco de edição no vídeo me mostrou amarrada a maca em que estava sentada naquele momento, relutante e ainda mais agressiva.
Ao fim do vídeo, levei as duas mãos a cabeça — O que vocês fizeram comigo? Vocês fizeram isso comigo dentro daquela casa!
— Na verdade, tentamos expulsar o hospedeiro do seu corpo, mas ele está há muito tempo influenciando sua vida. O hospedeiro ficou muito forte, não é mais um simples parasita — balançou negativamente a cabeça — Nós tínhamos de terminar a expulsão, mas você saiu do círculo.
Soquei o colchão — Agora a culpa é minha? Isso é o mesmo que culpar um revolver por assassinato.
— Apesar de sentirmos culpa, o conceito de culpado é uma ilusão. O que tem que acontecer, vai acontecer. Não depende de nossa vontade.
— Vai se foder! Não quero saber dessas frases do Yoda. Só quero a minha vida de volta.
— Quando você veio para cá, tentei executar um antigo ritual de selamento para impedir essas manifestações, mas isso não vai durar muito tempo.
— As minhas perdas de consciência, isso tem a ver com o tal hospedeiro tentando assumir meu corpo... — Olhei na direção da porta, focando no gancho onde deveria estar o extintor pendurado — tentando assumir minha vida.
— O ritual na casa da Berenice tentou tirá-lo de você, mas o espírito precisava de outro recipiente para sair. Quando você saiu do circulo, interrompeu o processo de expurgo. — balançou negativamente a cabeça — Agora hospedeiro e espírito nativo disputam a consciência do mesmo corpo.
— O que eu faço?
Ela coçou a cabeça, sem conseguir disfarçar o cuidado, a perícia calculista na escolha das palavras — Antes de tudo, você precisa saber de uma coisa...
Meu pai se mexeu, assustando nós duas. Sara guardou rapidamente o celular no bolso. O velho demorou alguns segundos para abrir os olhos e não conseguiu esconder o espanto ao ver a filha acordada — Você está bem?
Fiz que sim com a cabeça, envergonhada ao olhar a gaze que enrolava o curativo em seu braço. Eu fiz isso nele!
Fique tranquila filha, isso não foi nada — respondeu ao perceber minha face arrependida, enquanto cobria o braço ferido com a manga da camisa.
Sara se aproximou dele e passou a mão em seu ombro, complacente. — Você está com o rosto torcido, tão amassado quanto as suas roupas.
Ele suspirou — É, acho que preciso de outro café.
Um homem de uniforme cinza com o logotipo Vida Real em forma circular, num símbolo com sentido ambivalente, entrou na sala. O enfermeiro anunciou a Sara que tínhamos visita e esperou alguma resposta, mas ela contorceu o beiço antes de questionar — Mas a pessoa não se identificou?
O enfermeiro deu de ombros — Disse que era um velho amigo da paciente.
— Deixe ele entrar — pediu Sara sem perceber que a preocupação levantava suas sobrancelhas.
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A Imperatriz de Levron
Mystery / ThrillerTudo começou quando minha alma ainda pertencia a um corpo humano, em um tempo onde humanos podiam ter outros humanos como propriedade. Caminhei do inferno ao paraíso, ainda em vida. Após morrer, fui condenada ao inferno. Mas Lúcifer, o príncipe da l...