A floresta das árvores que choram

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Novamente o grupo aumentou o passo, estavam adentrando a floresta das árvores que choram e Lúcia sentiu um pequeno calafrio ao imaginar alguma árvore soltando algum gemido.

Logo o som que se ouvia parecia um lamento realmente, mas diferente do que ela havia pensado, não era tão assustador, mas dava uma imensa pena aquele lamento constante e com entonações e pausas diferentes, vindos de variadas partes daquele lugar.

Por vezes de muito perto, o que deixava o som mais parecido com o atrito de árvores, em outras mais distantes e ai sim ficava um lamento triste, quase um choro.

O som dos cascos de Luthiron e os centauros se misturavam com os da floresta, também se ouvia o bater das asas de Jiron que voava baixo.

As árvores eram altas e bem galhadas, alguns galhos chegavam à outra árvore formando uma barragem natural, lembrando levemente a floresta dos juízes.

Apesar dessa característica, elas não pareciam intransponíveis e nem eram tão fechadas.

Ao menos ela conseguia ver longe, mas sua visão aguçada era inútil, pois essa floresta parecia estar vazia.

Não havia nada além de árvores, folhas secas e alguns vários tufos de capim. Não via um único animal por ali, nem mesmo um inseto e estava calor, então devia haver muitos deles.

A vida não é o forte desse lugar, pensou preocupada.

— Está tudo muito quieto Luthiron, eu não vi viva alma desde que entramos.

— Também estou preocupado Lúcia, mesmo que o lamento da floresta incomode as criaturas, ainda assim deveria haver muitos animais por aqui, não há nada, nem mesmo borboletas ou barulho de insetos.

— Ou realmente as árvores os incomodam demais a ponto de terem migrado ou estão se escondendo de algo.

Luthiron não respondeu, acelerou o passo alcançando Érono e Ádino à frente.

— Lúcia e eu estamos achando estranho esse silêncio na floresta, estamos andando a várias horas e nenhuma vida foi vista aqui a não ser do nosso grupo.

— Confesso que também estou estranhando isso, vamos chegar logo em uma clareira. — Disse Érono. — Em pouco tempo pararemos para descansar e vamos ver o que está havendo. Se estivéssemos sendo seguido isso não nos impediria de ver os animais ou mesmo pássaros, vamos acelerar o passo.

Cavalgaram por algum tempo e logo chegaram a um espaço aberto e gramado.

Vários tocos de árvores antigas mostravam que essa clareira existia há muitos anos e não era um espaço natural, alguém havia feito aquilo, o que justificava vários daqueles lamentos estranhos que ouviam, aquela clareira era uma ferida para a floresta.

Lúcia desmontou e foi ajudar Ádino a tirar os sacos dos centauros que aguardavam pacientes que os liberassem do peso.

Jahil foi rápido e logo saiu à caça de gravetos ajudando Ádino com o fogo, logo todos se aproximaram da fogueira para conversar e descansar.

— Não acham que essa floresta está estranha? — Jiron falou preocupado olhando a volta com o semblante franzido.

Lúcia fez o mesmo, olhou por todo lado. — Também acho. Deveria com certeza ter vida nesse lugar, parece tão abandonado, e isso tem me preocupado um bocado desde que entramos. Nem mesmos grilos ou as cigarras estão cantando, não vi pássaros ou borboletas também em parte alguma.

— Não é estranho. — Disse Balmac. — Meu povo está espalhado pela floresta e isso deve ter espantado os animais, nunca andei com eles em bando desde que ficamos nessa forma, sempre andei só, no máximo quando estava perto deles era para me defender.

Então acho que deve ser pela quantia deles hoje que deve ter alertado os animais e eles se esconderam.

— Mas não vi nenhum de seu povo Balmac. — Rebateu Lúcia ainda não estando tranquila com aquela explicação.

— Estão perto o suficiente para nos ajudar se for preciso Lúcia, mas longe de nossas vistas, afinal foi um trato e estão cumprindo como combinado. Estão fazendo o próprio caminho, dessa forma não irão interferir em nossas paragens. Agora vão seguir a frente e ganharão distância, e logo os animais voltam a aparecer.

Lúcia não achou muito justo esse tratamento que eles estavam recebendo. — Mas eles podem ficar conosco Balmac.

— Não minha querida Lúcia, eles conosco seriam a mesma presa em caso de emboscada.

Se estivermos separados seguindo por rumos diferentes, vai parecer que são vários focos de rebeldia contra o espectro e assim quem sabe, isso comece a mudar algumas cabeças pelo caminho.

A notícia do povo de Jahil já deve ter espalhado por ai. E com os grupos lutando separados teremos mais chances de chegarmos ao nosso destino.

— Porque você diz caminhos separados?
— Nós iremos pelo Pico da Neblina subindo a montanha. Eles irão dar a volta, sendo vigiado ou não eles conseguirão passar, conhecem muitos caminhos para passar pelos seguidores sem problemas.

— E como irão fazer para passar pelo mar?

— O mar não será problema, mas eles terão uma longa jornada pela frente, é bom mesmo que se apressem.

— Mas há um batalhão de seguidores no porto, acha que conseguiriam um barco sem ajuda? — Perguntou Ádino.

— E mesmo que tivessem alguma ajuda, seria impossível eles passarem, são muitos. —Disse Jahil que colocava a madeira aonde Ádino iniciava a fogueira.

— Eu disse a eles quando me falaram desse plano, mas disseram que apenas os esperássemos e que eles encontrariam uma maneira.

Insistiram que era a única maneira de todos conseguirem chegar ao outro lado sem levantar suspeitas com a movimentação.

Juntos seremos focos de especulação e mesmo que não sejam seguidores, mesmo que sejam escravos que nos vejam, isso poderá chegar ao ouvido do espectro. Não se preocupem, eles saberão passar sem chamar a atenção.

— Eu não duvido que tenham êxito. — Disse Linade. —E também não duvido que nos encontrem onde estivermos.

Conseguiram nos seguir sem serem notados por um longo trecho, são silenciosos e rápidos, já provaram isso muitas vezes.

Balmac não disse nada e olhou para Linade sem demonstrar emoção. Lúcia balançou a cabeça olhando novamente para as árvores.

— Ainda não estou satisfeita com essa explicação. Mas realmente a vida voltou à floresta, vejo várias criaturas transitando por ai e acho que agora o mistério acabou.

Balmac levantou e se espreguiçou. — Bom, vou sair à caça, precisamos seguir o conselho de Dávolo e economizar o alimento que não se estraga.

Lúcia levantou rapidamente. — Vou ver se encontro algo por ai também.

Jiron e Caluto também se prontificaram e cada um seguiu para um lado enquanto Lúcia seguiu floresta adentro sentindo nas costas o intenso olhar de Linade.

Ela sabia que a vontade de sua avó era dizer a ela que ficasse e esperasse os outros, mas não faria isso apesar da preocupação.

Por sorte agora a floresta estava mesmo repleta de vida, e talvez a caça não fosse um fracasso.

Crônicas Helenísticas- Venília Livro 2- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora