Capítulo 3

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Evelyn Jones

Os despertadores já tinham tocado à cerca de meia-hora. O quarto estava num reboliço por se estarem todos a preparar para ir para a escola. Todos excepto eu, que continuava deitada, tal como Mirella que estava na cama debaixo do beliche. Todos frequentavam a escola, menos eu, Mirella e Darko. Já havíamos feito o 12º ano de escolaridade e como a instituição não tem dinheiro para nos pagar a faculdade, a nossa única opção é trabalhar. O problema é que não conseguimos arranjar nenhum trabalho, por viver-mos num meio pequeno e não haver muitas opções de escolha.

– Evelyn! – Uma voz obrigou-me a quebrar os pensamentos e a olhar para baixo. – Podes-me ajudar a vestir a camisa? Não consigo abotoar estes botões minúsculos! – Reclamava dos botões enquanto os encarava. Ri da sua pequena revolta e por mais que não me apetecesse nada sair da cama, desci. Ajoelhei-me à sua frente, ficando exactamente da sua altura, e comecei a abotoar aqueles botões, que eram realmente pequenos.

– Prometes que hoje te vais portar bem na escola? – Levantei o meu olhar para encarar o dela e vi um sorriso sapeca surgir nos seus lábios. – Ivy, por favor! Já chega de te meteres em confusões.

– Eu não tenho culpa que as confusões venham ter comigo!

– Podes ignorá-las e continuar a andar.

– Eles cercam-me, encostam-me à parede. Não dá para ignorar!

– Espera... – Acabei de abotoar o último botão e afastei-me ligeiramente dela, olhando-a directa e profundamente nos seus diamantes azuis bastante penetrantes. – Eles quem?

– Os colegas da minha turma.

– Fazem-te o quê?

– Eles nunca querem brincar comigo, então eu brinco sozinha... – Encolheu ligeiramente os seus pequenos ombros, fazendo um leve movimento com a boca. – E no fim dos intervalos, eles vêm sempre ter comigo, fazem uma roda à minha volta e começam a dizer coisas feias. – Senti o meu corpo a congelar por dentro ao imaginar o que a minha boneca sofria na escola, e o pior, é que sofria todo este tempo em silêncio. Martirizei-me por nunca me ter sentado com ela a conversar sobre a escola. Poderia ter descoberto isto mais cedo e ter feito alguma coisa para impedir.

– Bonequinha... – Levantei-me, sentando-me na sua cama, e puxando-a até mim. – Eles já te fizeram mais alguma coisa, sem ser o dizerem coisas feias? – Estava com medo do que fosse sair da sua boca.

– Só me bateram uma vez, mas foi porque eu lhes cuspi para cima. – Cruzou os braços, orgulhosa do que fizera. Quis rir da minha pequena guerreira, mas evitei-o. Eu não estava numa situação para isso.

– E porque é que lhes fizeste isso, Ivy?

– Porque eles começaram a gozar comigo, a dizer coisas ainda mais feias do que o normal, só porque eu não vivo numa casa como eles e porque não tenho uma família como a deles. – Posso ser a pessoa mais paciente e meiga do mundo, mas naquele momento, a minha vontade era de ir até à escola e despedaçar aquelas criancinhas, uma a uma. Eu sei como é, sei o que ela sente, porque já passei por tudo isso na idade dela. Tive a sorte de ser uma criança com um pensamento maduro, sempre consegui enxergar tudo da maneira certa, e é isso que eu vejo na pequena Ivy. Eu vejo-me nela. Ela sabe o que aconteceu, sabe o que é, sabe onde está, por isso não se deixa abalar com bocas que recebe sobre isso. Mas é uma criança, e ainda não sabe ficar quieta, então acaba sempre por revidar respostas que deviam ser ignoradas.

– E porque é que nós queríamos uma casa como a deles ou uma família como a deles, se o nosso lar é muito melhor e a nossa família é a maior de todas? – Vi um sorriso nos seus lábios mega contagiante. – Eu não te quero triste por causa deles e nem em confusões! Eles não merecem nem um único copo de água dado pelos pais, muito menos a tua atenção.

Irmã TeresaOnde histórias criam vida. Descubra agora