Capítulo 1 - Vida Tranquila

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    O sol entrava pelas cortinas finas de renda portuguesa que adornavam as pesadas janelas da antiga casa dos Galahad.

Lucy abriu os olhos com vigor e olhou para o lado. Em sua cama Vivienne roncava de boca aberta, usando uma camisola imaculada e um horroroso gorro cheio de frufrus e babados. Ela dizia que ajudava a não desfazer seus cachos cuidadosamente enrolados em pedaços de papel.

Pôs os pés no chão. O contato com a madeira fria junto com a água que usava para lavar o rosto ajudaram a acorda-la por completo.

Colocou o simples vestido verde musgo que já a acompanhava por grande parte da adolescência. Mesmo aos dezesseis anos a peça comprada a anos ainda lhe servia perfeitamente.

Se admirou no espelho  e sorriu enquanto trançava os longos e grossos cabelos escuros. Sua irmã sempre dizia que ela parecia-se com uma camponesa comum, uma versão dela mesma da baixa classe e que isto era apavorante. Mas Lucy não ligava. Bastava ter com o que cobrir o corpo e já estava satisfeita.

Desceu a escadaria de madeira que rangia sob seus pés ainda desnudos. O cheiro maravilhoso de bolo de frutas recém assado brotava da cozinha, mas ela precisava fazer uma coisa antes.

Aproximou-se da biblioteca e abriu a porta que estava encostada. Seu irmão Christopher estava absorto entre os livros.

- Bom dia, ave madrugadora! - ela o surpreendeu, fazendo o rapaz tirar os olhos do livro, assustado.

Seu irmão recebera este nome devido a um amigo muito querido de seu pai que falecera antes mesmo que eles fossem concebidos.

Tinha os cabelos escuros bem cortados e os olhos sempre com uma aparência cansada. Christopher nascerá com uma condição que sempre o deixava muito cansado a ponto de desmaiar caso fizesse muito esforço. Isso o frustrava, principalmente por ser único filho de Lucian, e aparentemente o responsável por carregar o estandarte da família a frente.

- Bom dia, Lucy. Vivienne dorme pesado como sempre?

- Sim. Baba nas fronhas... - pegou o livro do colo dele e acariciou perdidamente a capa velha de couro - Sabe irmão, as vezes fico admirada de como você consegue nos distinguir tão facilmente! - brincou.

- Pois são apenas parecidas por fora. Por dentro são como o dia e a noite, a água e o vinho!

Ela sorriu.

- Sabe como fico feliz em ouvir isto! - devolveu o livro para ele. - E papai, onde está?

- Conhece ele. Acordou cedo e foi supervisionar a reforma do moinho.

Ela assentiu. De todos os filhos era ela a mais apegada ao pai. Diziam que era porque os dois tinham o gênio parecido. A mesma vontade ferrenha e teimosia características e também um humor amargo de doer.

- Vou ver o que cheira tão bem na cozinha! Estou faminta!

- Conte-me uma novidade! Come tanto que fico admirado que ainda não tenha explodido!

A jovem torceu o nariz perfeito e saiu em direção ao seu cômodo favorito. Beth, uma das arrendatárias de de seu pai ficava responsável pelas refeições, já que na casa nenhum deles sabia cozinhar.

A jovem viúva de cabelos loiro escuros transbordava vitalidade e sempre tratava ela e seus irmãos com o amor que dispensaria aos filhos que nunca teve.

- Betty o cheiro hoje está fenomenal! - ela arrancou um pedaço do bolo e levou à boca rapidamente.

- Oras pare de se exibir com as palavras que seu irmão lhe ensina! - a mulher riu e deu uma leve bofetada na mão da garota. - Seu pai pediu que esperassem até que ele retornasse! Sabe como ele ama bolos frescos e faz questão de que o primeiro pedaço seja dele. Embora eu tenha certeza de que se uma de suas filhinhas lindas roubar sua vez...

- Não diga isso, Beth!

Apesar de ser idêntica a Vivienne os anos de exercício com espada e escudo haviam tornado Lucy bem mais atlética. Possuía a feminilidade de uma donzela, mas os músculos haviam se desenvolvido como os de uma acrobata, dando a ela formas bem menos delicadas do que as de sua gêmea. Isso raras vezes a incomodava,as no fundo ela gostaria de não ter treinado tanto a ponto de modificar sua constituição, mesmo que tão singelamente.

- Oras sabe que para seu pai você sempre será linda! Não só para ele, como para muitos rapazes também...

A jovem Bufou.

- Sabe que não ligo para essas coisas! Aqui são todos uns idiotas. Nunca me interessaria por um pirralho idiota que mal sabe manejar uma espada. Já pensou eu ter que protegê-lo durante todo o tempo?

As duas riram sonoramente.

- Mas que disposição é essa logo pela manhã?

Lucian entrou pela porta da cozinha, indagando. O homem ainda conservava grande parte de seu vigor e beleza da juventude, porém com um detalhe: os ossos de sua perna esquerda haviam sido esmagados por uma pesada viga em um incêndio que acontecera há alguns anos atrás, durante uma invasão a sua propriedade.

Os bandidos haviam sido expulsos e todos saíram com vida, mas o andar do orgulhoso cavaleiro nunca mais fora o mesmo. Ele agora tinha um passo manco muito marcado que o privava de correr ou pegar peso. Mas o homem ainda possuía a mesma agilidade com armas que sempre tivera. E este conhecimento fez questão de compartilhar com Lucy, tornando-a auto suficiente no quesito defesa pessoal.

- Pai! - Lucy o agarrou, abraçando-o com ternura. - Que bom que chegou! Estava prestes a atacar a mesa do café...

O homem a afastou e segurou de leve o queixo bem feito.

- Não é a toa que seus irmãos a chamam de saco sem fundo! - sentou-se a mesa.

A jovem o acompanhou.

- Como estava o moinho hoje?

- Falta pouco para o término da construção, mas se eu não gerir com cuidado vão acabar tomando mais dinheiro do que o necessário e fazendo um serviço inferior ao desejado...

Beth serviu a mesa bem no momento em que Christopher e Vivienne se juntavam para o desjejum.

Lucy agradecia a Deus todos os dias por ter uma vida tranquila com sua família feliz. Aparentemente nada poderia abalar a tranquilidade daquele lar, mas a tempestade que estava por vir mudaria o destino de todos para sempre...

A Donzela de Ferro(Concluído - SEM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora