Capítulo 6

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"É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou."

Os dias passaram tranquilos, logo Jaqueline impôs um ritmo atribulativo para a rotina de Léo. Ela acabou cancelando o acompanhamento a todos seus pacientes para dar atenção exclusiva a ele, tentando conciliar com as aulas de pós-graduação no período noturno e ainda estudar uma forma de se aproximar dos familiares a fim de resolver as pendências no acordo feito.

Léo estava cumprindo sua parte também, não contestava nada, conforme havia prometido, e esforçava-se bastante para colaborar com os profissionais contratados, que não eram poucos.

Além das atividades com Jaqueline de alongamento e fortalecimento dos membros, Léo ainda fazia sessões com uma terapeuta ocupacional, uma psicóloga, uma nutricionista e os médicos neurologista e urologista, todos escolhidos a dedo por ela, e sob sua supervisão. Jaque ficava feliz a cada pequena evolução e assistia, dia após dia, Léo recuperar um pouco de sua vitalidade, peso e força.

A interação entre ambos aos poucos foi retornando, a antiga cumplicidade de dois amigos que cresceram juntos, e Jaque por muitas vezes se distraía imaginando como seria o futuro de Léo e se existiria um pequeno espaço para ela reservado em sua vida.

Em sua noite de formatura tudo ocorreu de forma tão abrupta, e os dias de tensão que se seguiram não permitiram a Jaque sequer pensar sobre o beijo que ele lhe deu. Ultimamente, com tanta proximidade, seus sentidos estavam muito aguçados e a lembrança voltava nítida à sua memória a cada toque que se prolongava, cada pequeno sorriso dado por ele, quando era provocada ou até mesmo quando ele se fechava com o olhar perdido. Nesses momentos, ela se controlava para não dar razão ao impulso de acalentá-lo, na tentativa de diminuir um pouco seu sofrimento.

Segundo a terapeuta, ele estava começando a falar sobre suas aflições, mas Jaque o entendia bem, ele sempre foi arredio, demorava muito para confiar nas pessoas e no primeiro momento fazia de tudo para espantá-las.

Foi assim com ela e sua mãe quando chegaram à mansão. Em seu primeiro contato, as ignorou por completo. Jaque ficara feliz por encontrar outra criança, pois sempre havia sido muito sozinha, e ficava de longe tentando uma maneira de se aproximar, enquanto ele fingia não notá-la e continuava a brincar com seus brinquedos mais caros. Jaque não o invejava por isso, adorava sua boneca de pano; ela queria somente um amigo.

Quando foi matriculada na mesma escola de Léo pela bondosa Dona Amelinha, com direito a todo o material escolar e uniforme, achou que talvez ele passasse a lhe dar atenção. Ledo engano. Léo continuou distante, sem lhe dar uma única brecha. Isso durou quase um ano letivo inteiro. Até que um dia, na hora do recreio, Léo presenciou algumas crianças falando de seu cabelo, dizendo que era ruim e jogando seu lanche ao chão, enquanto Jaque chorava sem entender o porquê de estar sendo agredida verbalmente, principalmente naquele dia, pois sua mãe havia feito duas marias-chiquinhas, que ela adorara, e seu lanche estava tão gosto. Das outras vezes não tinha ligado, mas naquele dia sentiu-se muito triste, nunca fez nada para merecer aquele tipo de tratamento.

Léo correu em sua direção, deu um soco no garoto que tinha estragado seu lanche, ameaçou todo mundo e se sentou ao seu lado, oferecendo o lanche dele e consolando-a, dizendo que achava seus cabelos os mais lindos do colégio. Daquele dia em diante, nunca mais a deixou sozinha no intervalo. Ele esperava pacientemente por ela no final das aulas e nunca mais Jaque sofreu com bullying das crianças. Algumas até fingiam ser suas amigas, mas Jaque desconfiava, conforme os anos passavam, que as meninas só falavam com ela para tentar se aproximar do garoto mais popular da escola.

Isso durou até Léo se formar, um ano à frente dela, depois voltou a ser hostilizada. E mesmo não contando para ninguém o que acontecia no colégio mais caro de São Paulo, pago pelo Senhor Leônidas, Léo ia sempre buscá-la com o motorista. Até o dia em que tirou sua carta e passou a dirigir seu próprio carro, e todos os dias quando Jaque saía do colégio, lá estava Léo a esperando. Tornaram-se amigos e confidentes. Ele, quando passava a confiar na pessoa, era o mais fiel e companheiro.

Amor Abstrato - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora