Eu estava oficialmente de luto, vestia meu vestido preto simples que eu não usava a muito tempo, amarrei meus cabelos com uma xuxinha num rabo de cavalo e fiquei pensando em Tia Carlota no resto da manhã, olhando pela janela e me sentindo presa.
Já deviam ser quase meio dia, fazia tempo que eu havia saído da salinha e havia ido ouvir Maíze tagarelar; Adriana havia chegado ao quarto e vestiu apenas sua saia preta porque ela não tinha vestido, enquanto ela rabiscava num caderno velho Rangel apareceu.
_Reunião agora na piscina. _ falou rapidamente e sumiu.
_ O quê? _ perguntou Adriana numa voz aguda de doer os ouvidos.
_ Reunião agora, na piscina. _ disse ele novamente.
_ Pra quê? _ perguntei.
Ele revirou os olhos.
_ Agora. Na piscina. Soraya está chamando.
_ Vamos. _ falei para Adriana.
Ela veio atrás de mim resmungando.
_ Garoto insuportável...
CH
Descemos às escadas e caminhamos até a piscina, quando cheguei lá vi as outras crianças, uma ao lado da outra formando uma fila na beira da piscina, todos olhavam temerosas para um mesmo ponto: Soraya.
Quando ela viu que estávamos ali logo exclamou:
_Ah! Olha só quem está aqui... A loirinha e sua amiga...
Soraya sorriu para nós e apontou para a fila.
_Tomem seus lugares, sempre no final.
Depois de nós duas termos trocado um breve olhar eu e Adriana ficamos ao lado das outras crianças, eu fui a última; talvez Soraya estivesse certa ao dizer que eu sempre estaria ali, no final.
Ela estava diferente, até a forma de falar era diferente, ela usava uma sombra preta acima dos olhos e um batom bem vermelho, cor de sangue. Usava um vestido justo ao corpo sem mangas, preto.
Soraya começou a dizer que os funcionários do orfanato haviam sido demitidos; por isso, pra que não vivêssemos na sujeira, nós mesmos deveríamos limpar a casa todo dia.
Ela também disse que uma conselheira tutelar estava a caminho para nos ajudar mas enfatizou novamente que era ela que estava no comando, ela era a nova diretora do orfanato.
_Por isso, quero deixar bem claro, que não vou tolerar falta de respeito com a minha pessoa, nem resposta malcriadas, nem desobediências e tudo que já é da natureza de vocês... entenderam?
_Sim. _ responderam todos.
Menos eu. Não iria obedecer aquela que era muito mais malcriada que eu.
_ Entenderam?!
_ Sim!
Não respondi novamente.
_ Entenderam...? _ Soraya falou entredentes se posicionando à minha frente.
_ Sim... _ alguns gatos pintados responderam num murmúrio.
_ Loirinha.
Permaneci olhando para o chão.
_ Loirinha!
_O meu nome não é Loirinha!
Soraya parou e deu um sorrisinho.
_ Ora ora... ela não é muda... Agora minha querida, eu quero saber se você realmente entendeu a minha mensagem. Você me deve respeito agora, vai ter que obedecer minhas ordens e fazer tudo que eu te mandar fazer...
O silêncio triunfou. Soraya se agachou e olhou dentro dos meus olhos
_ Promete pra mim? _ disse ela _ Promete que vai me honrar e obedecer? _ ela riu e imediatamente parou. _ Diz que sim Laura. Diz.
Soraya começou a acariciar as pontas dos meus cabelos e sua unha encostou em meu braço. Continuei sustentando seu olhar, imóvel. E posso dizer que ele mereceu a resposta que eu dei.
_Nunca.
E ela me empurrou na piscina.
CH
As bolhas de ar me cercaram enquanto batia os braços e as pernas para tornar à superfície, ainda bem que a piscina não era funda; Tiago pulou na água e me ajudou a sair. Renata foi buscar toalhas para nós depois que Soraya saiu rebolando triunfante pelo corredor.
Senti vontade de morrer, mas a vontade de desmascarar Soraya foi maior e eu decidi permanecer viva.
Depois que voltamos para o quarto e eu troquei de roupa Maíze apareceu de repente e deixou um papelzinho na mão de Adriana.
_Aviso importante. _ disse ela e saiu.
Eu e Adriana nos olhamos assustadas e depois encaramos o papelzinho.
_O que é isso aí? _ perguntei.
_E eu sei lá. _ Adriana deu de ombros e sentou na cama de baixo, começou a sussurrar, estava lendo.
Fazia algum tempo que eu não via ou ouvia alguém ler, quem sempre lia pra mim eram Tia Rita e Tia Carlota mas elas... bem, eu gostava de ouvir alguém lendo. As únicas crianças que sabiam ler por aqui eram apenas Tiago e Adriana, e agora ela estava vendo que mensagem estavam naquele papelzinho.
_O que diz aí? _ perguntei curiosa.
_Tarefas.
_ Hã?
_ Soraya tirou a empregada daqui não foi?
_Humhum.
_ Então... nós vamos ter que arrumar a casa...
_Arrumar a casa? Mas ela é muito grande! E nós... como nós?!
_Eu e você, ora essa...
_ Mas não tem como! Vamos morrer trabalhando!
_ Calma Laurinha, os outros vão ter as suas tarefas também, só que essa ficou pra nós duas...
_ E quem vai fazer a comida?
_ Hum... isso eu não sei...
_Será que é a Soraya?
_Ela sabe fazer comida? Duvido...
_ Tomara que não... _ murmurei.
_Por que não Laurinha?
_ Por que o quê?
_ Por que você quer que não...
_ Bem, é... Adriana, sei que parece loucura mas Soraya pode muito bem colocar coisas na comida pra nos sentirmos mal.
_ Veneno.
_É.
_ Mas será que a Soraya nos odeia tanto a ponto de...
_ De fazer isso? Com certeza.
Adriana abaixou a cabeça.
_ O que foi? _ sentei ao lado dela.
_ Estou com medo.
_ Eu também estou. Mas vai ficar tudo bem, lembra da promessa?
_ Mas eu não sabia o que eu estava dizendo...
_ As palavras de uma chiquitita nunca estarão erradas. _ falei como uma adulta.
Adriana sorriu.
_ Confia em mim?
Ela balançou a cabeça positivamente e depois, chorou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
CHIQUITITAS - Innocence
General FictionEssa não é uma história para crianças. É apenas a história de uma garotinha orfã que foi criada por uma mulher pobre mas logo depois foi deixada em um orfanato onde viveu com seus melhores amigos. Quando uma terrível tragédia a fez sair de lá e ir...