Apesar de o orfanato ser um inferno e eu perceber que gostava de estar ali as coisas começaram a entrar nos eixos.
Soraya nunca mais almoçou conosco, a única criança com quem ela falava era Maíze e de vez em quando dava um oi a Tiago. Vivia sempre trancada: do quarto pro escritório, do escritório pro quarto... Quando eu ouvia o som de seus sapatos quicando no chão logo me escondia em algum lugar, mesmo que fosse atrás de uma cortina.
Depois do episódio que ocorreu entre Soraya e eu, meu medo dela aumentou muito, mas junto com ele foi meu ódio. Mas o que realmente era estranho era que Soraya sabia de mim e tudo mais, mas não fazia nada.
Já havíamos ouvido Maíze comentando que a conselheira tutelar estava a caminho do orfanato, eu não sabia se queria que ela chegasse logo imaginando-a como Tia Carlota; ou não, pensando que ela também poderia ser como Soraya.
CH
Estávamos almoçando, a comida pálida de sempre: arroz, feijão e frango; às vezes era carne e só nos finais de semana comíamos uma farofa insossa. Soraya não ia comprar nossas comidas, só ía receber todo dia num carro preto que as trazia, mas não dava pra ver quem o dirigia.
Depois do almoço Renata lavava as louças, suas pequenas mãos só viviam enrugadas.
Enquanto ela lavava as louças eu a ajudava mas então vi Maíze dar uma volta pela cozinha e sumir no corredor.
Deixei Renata, enxuguei as mãos e fui atrás dela. Ela já estava descendo a escada para ir pra sala mas antes segurei seu braço e a fiz olhar para mim.
_ O que está acontecendo? _ perguntei e ela lançou um olhar pra minha mão. A soltei.
_ Do que você está falando? _ perguntou ela.
_ Por que vocês... por que a Soraya... _ não conseguia encontrar as palavras certas e comecei a gaguejar.
_Olha aqui Laurinha, eu não tenho o dia inteiro...
_ Eu quero saber o que Soraya está tramando. _ minhas palavras saíram atropeladas. _ Por que ela ainda não veio atrás de mim?
_ Você acha que eu vou contar isso a você? _ ela sorriu.
A encarei e seu sorriso sumiu.
_ Não sei de nada. _ disse ela.
_ Sabe sim... _ gesticulei em sua direção, ela evitava meus olhos. _ pelo menos alguma coisa você sabe...
_ Olha aqui. _ disse ela com firmeza_ não pensa que a Soraya esqueceu do que você fez, ela vai se livrar de você mais rápido do que você imagina...
Como um verdadeiro retrato de Soraya, Maíze me deixou lá paralisada e desceu a escada rapidamente, eu poderia ir atrás dela e lhe dar muitos beliscões mas meu corpo simplesmente ficou sem reação.
Andei até o quarto e quando fechei a porta atrás de mim, lágrimas começaram a cair dos meus olhos. Já era quase meio dia mas parecia que a luz havia se revestido em trevas.
Então Tiago apareceu.
_ Laurinha? _ falou ele fechando a porta atrás de si.
Eu estava olhando pela janela e quando me virei percebi Tiago arregalar os olhos ao ver meu rosto manchado de lágrimas. Ele veio até mim e me abraçou.
_ O que aconteceu?
Comecei a soluçar em seu ombro.
_ Não de-e-ixa ela me le-levar daqui-i...
_ Quem? Quem vai te levar daqui?
Tiago me conduziu até a cama, nos sentamos e ele me olhou nos olhos esperando minha resposta.
_ A bruxa... ela... _ respondi aos prantos. _ Ela vai destruir a minha vida...
Deitei na coxa de Tiago e o vi ficar sem saber o que fazer. Ele não sabia como agir, não era acostumado com lágrimas.
Ficamos em silêncio por um bom tempo até que ouvimos ruídos nos corredor e Tiago decidiu ir embora.
Ele beijou minha testa e murmurou.
_ Se cuida.
E de mansinho foi embora.
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CHIQUITITAS - Innocence
General FictionEssa não é uma história para crianças. É apenas a história de uma garotinha orfã que foi criada por uma mulher pobre mas logo depois foi deixada em um orfanato onde viveu com seus melhores amigos. Quando uma terrível tragédia a fez sair de lá e ir...