Surpresa

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Naquela sexta feira de sol deslumbrante eu fiz todo o meu trabalho: arrumar a casa junto com Adriana. Depois tomei um banho e lavei meu cabelo, vesti meu vestido preto que não usava a um tempão e acabei me lembrando que no domingo fariam três semanas da morte de Tia Carlota, percebi que depois que havia chegado ao orfanato o tempo passou rápido demais...

Em apenas alguns dias comecei a amar Tia Carlota e até a coloquei na minha lista imaginária de pessoas especiais (lista em que metade das pessoas foram embora...) e no outro dia minha vida havia se tornado um inferno.

Estava olhando pela janela enquanto a água escorria de meu cabelo loiro, vi que ele ficava meio escuro quando era molhado, fiquei imaginando como seria se eu tivesse o cabelo escuro como de minhas amigas, e enquanto meus pensamentos estavam longe...

Tiago apareceu.

_ Laurinha _ disse ele ofegante. Ele estava parado na porta me encarando.

_ Oi.

_ Vem comigo.

_ O que aconteceu?

Tiago veio até mim e me puxou pelo braço me levando para fora.

_ Tiago!

Me lembrei que da última vez que nos encontramos nem conversei com ele direito então, eu não tinha o que falar agora.

Começamos a descer as escadas até a sala de estar e ele murmurou ao meu ouvido.

_ Temos visitas.

Então, eu os vi.

Adriana estava sentada com Railsom e Antônio no sofá pequeno enquanto Maíze e Rangel estavam no sofá grande e Renata... bem, ela estava conversando e sorrindo, exibindo seus dentes branquinhos e curtos para o homem e a mulher que estavam ali.

Ricos.

A primeira coisa que veio a minha cabeça foi isso, e a segunda...

Velhos.

Não muito velhos é claro, mas eram simpáticos. O tiozinho estava com um suéter, seus olhos eram azuis e ele não tinha muito cabelo; já a mulher que deveria ser esposa dele era mais bonita, seus cabelos eram curtos e loiros, quase brancos; e ela estava bem vestida e cheia de jóias.

Ela sorria para Renata e acariciava seu cabelo mas até agora eu não sabia o que eles estavam fazendo aqui.

Depois que nos juntamos aos outros e Renata veio em nossa direção, vimos Rangel se aproximar.

_ Ai ai... _ suspirava Renata _ eu queria tanto uma pulseira daquelas...

_ O que eles vieram fazer aqui? _ perguntou alguém.

Rangel respondeu sem pestanejar.

_ Vieram adotar um de nós.

Foi aí que eu percebi que Soraya estava no controle de tudo, desde o início.

CH

Enquanto os velhos conversavam com Maíze que nem fingia estar interessada na conversa, eu me escorei no sofá tentando recuperar o fôlego, meus pensamentos estavam longe e eu só ouvia a doce voz de Renata ao fundo. Continuei escondida atrás dos outros até que Soraya apareceu.

Eu até pensei que ela viria com uma cara de doente mas seu rosto continuava o mesmo de sempre, seus lábios vermelhos se abriram num sorriso esplêndido quando ela viu seus convidados, foi andando lentamente envolta naquele vestido justo e vermelho, seus saltos quicavam e eriçavam meu pelos.

_ Já deram uma olhada por aqui, não? _ perguntou ela enquanto os cumprimentava.

_ Já sim querida. _ respondeu a mulher com uma voz melodiosa_ Mas ainda não vi nem sinal da menina que nos falou...

_ Ah, não se preocupe, deve ter se distraído com minha Maíze que nem notou a presença dela...

As duas riram e Maíze fez uma risada sem graça.

Eu fiquei atrás de Antônio, o maior da turma, enquanto os outros se amontoaram no sofá pequeno.

_ Bom, _ disse Soraya_ eu acho que vocês vão gostar muito dela...

Eu congelei.

_Laurinha? _ ela me chamou.

E eu fui.

Soraya sorriu para mim mas seus olhos me intimidavam, nem liguei pra ela; fiquei na frente dos visitantes e a mulher, risonha, me olhou bem nos olhos. Seus olhos brilharam no exato momento em que ela me viu, era como se ela estivesse me esperando por muito tempo e agora... e agora, ela iria me levar.

CH

Minha cabeça girou. Ir embora? Agora? Jamais.

Fiquei embolada no sofá chorando enquanto meu cabelo formava uma cortina sob meu rosto.

Os outros ficaram me olhando atônitos e ninguém sabia explicar o que estava acontecendo; era normal uma criança órfã querer uma família e não ficar quase desmaiada repetindo "não" várias vezes ao saber que seria adotada.

Depois de alguns minutos eu ainda soluçava e resmungava.

_ Eu não vou com eles...

_ Mas Laurinha, _ falou Tiago_ você tem que ir.

_ Mas eu não quero!

_ Laurinha_ disse Adriana_ lembra do que eu te falei?

A encarei e ela prosseguiu.

_ Quem sabe eles não são a sua única oportunidade de sair daqui?

_ Eles parecem ser legais... _ murmurou Renata.

_ E agora...? _ olhei para elas _ O que eu vou fazer?

_ Já faz algum tempo que a gente não decide o que fazer... _ murmurou Renata de novo.

_ Eu não estou entendendo nada...O que você realmente quer? _ ela me interrogou me olhando nos olhos.

Ela não sabia? Eu não queria me afastar dela! Deles! Não queria deixá-los...

_ Já sei! _ exclamei enxugando as lágrimas dos olhos.

Elas me olharam espantadas.

_ Vou voltar pra buscar vocês!

Elas me encararam.

_ É sério, eles parecem ser pessoas legais mesmo, com certeza vão atender esse meu pedido, vou voltar, eu juro.

Estendi meus dois dedos em direção a elas.

_Juramento de chiquititas.

_ Chiquititas.

_ Chiquititas.

_ Laurinha...? _ ouvi Soraya cantarolar meu nome.

Me levantei rapidamente, abracei as meninas e depois abracei Tiago.

_ Você vai ficar bem. _ ele disse em meu ouvido.

Olhei em seus olhos secos, bem diferentes dos meus.

Tiago não chorou, Tiago nunca chorava, porque homens não choram, simples assim.

_ Laurinha... _ Soraya me chamou de novo e quando a olhei vi a ameaça em sua expressão. _ Eles estão esperando. _ disse ela entredentes.

Fui andando até o casal ainda receosa, caminhamos até a porta e enquanto a mulher me guiava para fora, antes de entrarmos num carro belíssimo eu olhei para trás.

Se pudesse, não teria feito isso.

CHIQUITITAS - InnocenceOnde histórias criam vida. Descubra agora