Acordei tarde, por volta das 10:00 da manhã. Era uma vantagem do meu ofício, como a taberna só abria de noite, eu tinha a tarde inteira para mim. Exceto quando eu lavava a roupa e cozinhava, mas ainda sim era ótimo.
Coloquei o espartilho, a creolina e o vestido. Normalmente eu sairia para comprar pão, mas como estava tarde já não haveria mais nenhum.
Meu padrinho já havia saído, eu não tinha ideia do que ele fazia, mas me ensinaram a não perguntar.
Me sentei de frente para a janela e comecei a bordar, não havia coisa muito melhor para uma garota fazer nessa parte do dia.
Vi pela janela o exército escoltando uma carruagem, só poderia ser a família real.
Na hora do almoço o padrinho voltou, disse que já havia comido e foi para o quarto sem maiores explicações.
Passei o resto dia cuidando das tarefas domésticas até a hora da taberna abrir.
Tentei servir as mesas como sempre, mas o nervosismo de saber que logo eu me encontraria com o príncipe acabou me deixando um pouco distraída, e isso aparentemente não passou despercebido, meu padrinho não tirou os olhos de mim o tempo inteiro, ele estava mais estranho que o normal.
Nove horas chegou rapidamente, eu estava imunda e exausta, se fosse o príncipe eu fugiria.
Meu padrinho fechou a taberna e subiu para o quarto. Normalmente eu também o faria, mas ao invés disso fui para o lado de fora.
Olhei ao redor, não havia ninguém, talvez ele tivesse apenas me enganado, seria típico da nobreza brincar com seus camponeses.
Suspirei e abri a porta para entrar quando senti algo me cutucar na nuca.
Olhei para cima e lá estava ele, sentado no telhado segurando a espada.
-Achei que fosse demorar mais tempo para desistir de mim. -Ele riu e se colocou ao meu lado.
-Acho que vossa alteza está muito convencido. -Eu sorri e me curvei levemente.
-Mas então, Alice, o que vamos fazer? Tenho a noite toda livre.
-Não cheguei a pensar nisso...Mas podíamos só...Conversar.
-Conversar? -Ele pareceu um pouco chocado -Oh, está bem.
-Então me diga, Nico, como são seus pais? -Eu enrolei o meu braço no dele e começamos a caminhar.
-São boas pessoas, minha mãe é uma mulher muito doce, tentou sempre ser o mais presente o possível, eu a amo muito. -Ele sorria e olhava para o céu enquanto caminhava.
-E o seu pai? Devo confessar que ele me dá um pouco de medo. -Eu ri e ele sorriu de volta.
-Nunca falei muito sobre assuntos que não o reino com meu pai, ele é um homem muito fechado, mas pode ter certeza que ele quer o melhor para o nosso país, é um rei valoroso.
-Acredito nisso. -Dei-lhe leves capinha nas costas.
-Eu os seus pais? Fale deles.
-Não tenho muito o que dizer. Eram pobres, não tinham condições de me criar, por isso me entregaram aos cuidados do padrinho. Sei que só queriam o meu melhor, eles sempre disseram isso, mas eu não consegui impedir o meu rancor, fazem anos que não os vejo. -Meus olhos se encheram de água e eu vi o príncipe morder o lábio.
-Sinto muito, eu não devia ter perguntado.
-Não tinha como você saber -Eu apertei a mão dele e sorri -Eu quem sou muito boba.
Enxuguei o canto dos olhos e me recompus.
Conversamos sobre todo tipo de coisa, falamos de ciência, de música, das coisas que nos irritavam e de nossas vergonhas da infância.
Me senti muito mais próxima dele, não me sentia mais inferior, eu me sentia como uma igual.
Por volta da uma da manhã o sono me venceu e eu tive que entrar para dormir.
Combinamos de nos encontrar também na noite seguinte, e na outra noite, e todas as outras durante a sua estadia.
Sentíamos a necessidade de estar juntos, conversar nos fazia bem, ainda mais quando éramos os únicos a quem tínhamos de verdade.
Na quinta noite, Nico pareceu um pouco perturbado, ele mal falava e estava sempre olhando para os lados.
-Já chega, Nico, o que está acontecendo? Você está estranho.
-Acho que eu falei demais...-Ele começou a mexer no cabelo e bater com o pé no chão.
-Falou demais? Nico, você quase não falou comigo hoje!
-Não com você -Ele segurou a minha mão -Eu falei muito com o meu pai.
-Como assim? Você disse que vocês quase não conversavam.
-Sim, mas ontem ele começou a me perguntar o que eu estava fazendo assim que cheguei no Hotel...Então eu disse que estava conversando com uma garota.
-Ainda não consigo entender o seu nervosismo.
-Deixe-me terminar. -Ele suspirou -Eu acabei me empolgando por estar conversando com ele e falei que me encontro com você há vários dias, e ele ficou muito irritado, mas eu não entendi muito bem o porquê.
-Tampouco eu, mas...Você está assim porque seu pai esta irritado com você?
-Não, Alice...-A mão dele estava gelada -Eu estou assim porque eu te amo, e essa vai ser a causa da sua morte.
-Do que você está falando? -Apertei suas mãos com força e olhei em seus olhos que estavam cheios de lágrimas.
-Meu pai sabe de tudo, inclusive do que eu sinto por você. -Ele apoiou a cabeça no meu ombro -E agora ele está atrás de você, ele tem medo que você estrague os planos que ele tinha para um casamento arranjado -Ele começou a chorar -Eu sinto muito, é culpa minha.
Eu estava estática, não sabia o que dizer. Minha boca abria e fechava várias vezes sem conseguir formular sequer uma frase, era informação demais.
Ele ergueu o rosto e tirou um papel de bolso.
-Meu pai esta espalhando milhares desses pela cidade, eu me neguei por honra a dizer quem você era, mas ele está determinado a descobrir.
Desdobre o papel com cuidado, minhas mãos tremiam.
"Qualquer cidadão que tenha visto uma dama conversando com o príncipe nas últimas noites deve prontamente notificar ao rei. A mulher trata-se de uma bruxa que enfeitiçou ao nosso príncipe.
O rei oferece uma generosa recompensa em dinheiro para quem encontrar a bruxa e Informar sua localização para a inquisição."
Bruxa? Estavam me acusando de bruxa? Eu ir iria realmente morrer.
Apertei o braço de Nico, apoiei minha cabeça em seu peito e chorei. Nunca pensei que acitar um convite para conversar me levaria a ser uma procurada.
Mas talvez houvesse uma chance, sempre fomos muito cautelosos, não saímos para a cidade, talvez ninguém nos tivesse visto.
Olhei nos olhos do príncipe e ele pareceu me entender. Eu não iria morrer, não por um homem que eu nem mesmo tinha certeza se amava.
1121 palavras
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O que me separa do príncipe
Tarihi KurguHISTÓRIA CONCLUIDA No ano de 1830, a família real espanhola faz uma visita a cidade de Barcelona para fins comerciais, mas em uma de suas escapadas, o príncipe conhece Alice, uma simples garçonete sem nada a oferecer para a coroa, e o interesse que...