Cinco anos na Europa foi o suficiente para a mulher desacostumar com o calor do pais tropical de Dom Pedro II. A carruagem totalmente fechada passava pelas ruas de Campos, e o sol castigava a recém chegada. A sensação térmica dentro da carruagem era como o mais profundo inferno, mas Isaura recusava-se a abri-la. Sua pele branca era quase cadavérica, sabia que deveria evitar os raios impiedosos do sol. O escravo ao seu lado a abanava por horas, e sabia que se parrasse alguns minutos para descansar, a Senhora o castigaria. Ela mesmo deixou bem claro para ele "Não deve me conhecer, mas sou filha do Comendador Almeida. Se tem medo de meu pai é porque ainda não me conhece."
Durante o caminho Isaura praguejou pelos sete ventos a insatisfação de estar no Brasil, sobre o calor infernal e por estar vestindo um vestido tão pesado. Enquanto reclamava de boca cheia, o escravo não deixou de repará-la. Isaura era diferente das mulheres que conhecia. Tinha cabelos loiros, olhos claros e pele extremamente branca. As vestes também eram diferentes. Tinham detalhes intermináveis. O vestido de mangas longas na cor laranja mostrava o colo de seu peito, revelando seus ossos saltados. Em sua cabeça usava uma espécie de chapéu, que era muito parecido com uma corroa cheia de pedras preciosas. Seus olhos eram extremamente verdes e lábios avermelhados. A mulher realmente não era igual as senhoras que ele já havia conhecido, tanto na aparência quanto no temperamento.
— Eu o agrado? — perguntou repentinamente ao perceber os olhos afiados do escravo.
— Desculpe, Senhora. — abaixou a cabeça, continuando a abaná-la.
— Vamos demorar muito para chegar? Não aguento mais ficar nessa carruagem tendo de suportar seus olhos de abutre. — perguntou afiada. — Eu deveria colocá-lo no tranco por sua ousadia!
— Não, Senhora, por favor...
— Calado! Apenas diga se estamos chegando e não olhe mais para a minha cara. Vosmecê é um escravo. Tenho nojo de todos vocês. — disse cheia de asco.
— Mais alguns minutos e estaremos na fazenda do Senhor seu pai. — respondeu abaixando a cabeça.
— Sei que sou novidade para vosmecê, mas não sabe quanto detesto quando me encaram sem minha permissão. — revirou os olhos. — Sua sorte é que estou de bom humor e deixarei de lado o que aconteceu aqui. — "De bom humor? A Senhora reclamou o caminho inteiro!" pensou o escravo. — Diga-me, o escravo André ainda está na fazenda de minha família? Observando sua cor negra lembrei daquele diabo.
— Sim, senhora.
— Ótimo — suspirou. — estou com muitas saudades daquele negro.
— Senhora, chegamos! — anunciou o bem feitor Francisco que estava em cima do cavalo.
— Graças a Deus! — animou-se.
Era um novo capítulo na vida de Isaura. Era viúva, jovem e muito rica. Queria jogar na cara de seu pai que era mais poderosa que ele, e que o futuro dos Almeidas pertencia a ela. Ela sabia que aquilo não o agradava, principalmente depois de passar a vida anunciando o desgosto de ter uma filha mulher. Ela o odiava por tantos motivos, principalmente por ter jogado-a nos braços de seu falecido esposo com tanta pouca idade. Nunca fora da vontade de Isaura sair do Brasil, mas não teve outra escolha. Será que seu pai morreria de desgosto ao saber que a mulher seria o futuro de seus negócios?
A carruagem parou e o escravo saiu rapidamente, tudo para ajudar a senhora. O casarão antigo estava a sua frente mais uma vez depois de tantos anos. Era impossível não lembrar de sua infância e de todos os momentos que viverá lá. Da grande porta saiu o Senhor Almeida. Estava bem mais velho do que conseguia lembrar. Seus cabelos escuros tinham fios cinzas e seu bigode era absolutamente branco. Os olhos azuis de do Comendador encontraram os verdes de Isaura.
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O Escravo de Isaura
RastgeleUma adaptação do Romance de Bernardo Guimarães. Leôncio, um escravo branco, filho de um português e uma escrava mulata que morreu no dia em que deu a luz ao seu único filho. A criança, já cativa, propriedade de seus Senhores desde o...