Capítulo 10

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Margarida retornou para São Paulo no dia seguinte. Assim que chegou, ligou para William e pediu para ficar mais um dia em casa, pois precisava colocar a cabeça em ordem.

E foi exatamente o que tentou fazer. Enquanto Fred dormia pesadamente ao seu lado na cama, ela pensava em tudo o que tinha conversado com a irmã antes de partir.

Suze, por que não vem comigo para São Paulo?

Eu não posso, Guida.

Querida, eu sei que você prometeu à mamãe que iria ficar com o seu pai — a voz ganhou um desdém nesse momento, mas suavizou na sequência —, mas não é obrigada a isso.

O fato é que prometi. E seja lá onde ela estiver agora, acredito que esteja nos vendo. E não quero descumprir minha promessa... Não é certo.

— Você é apenas uma criança, minha querida. Não lhe cabe assumir tamanha responsabilidade...

— Irei completar doze anos — comentou Suze, com o orgulho natural de uma garota que começava a perceber no corpo as transformações da infância para a puberdade e a se sentir uma "mocinha".

Porque Margarida compreendia aquela ingênua soberba, esboçou um sorriso e abraçou-a forte. Em seguida, pediu:

Quero que me prometa uma coisa...

Pode falar.

Prometa que se você tiver problemas com o... — ela tentou disfarçar nesse momento o asco que sentia só de pronunciar o nome do padrasto — com o Carlos, irá escrever ou ligar para mim para que eu possa vir buscá-la. Promete?

Suze balançou a cabeça em afirmação. Ainda assim, Margarida não se sentiu segura.

Quero que prometa isso olhando nos meus olhos.

Fique tranquila, Guida — falou a garota, e se jogou nos braços da irmã com os olhinhos cheios d'água. — Eu ficarei bem.

Enquanto aguardava o táxi vir buscá-la junto ao filho, Margarida ainda pensou em contar a verdade à irmã. Mas como poderia contar o que lhe aconteceu a uma criança de onze anos?, perguntou-se. Além disso, a menina amava o pai e o conhecimento daquilo poderia ser desastroso para ela.

Lágrimas quentes correram sobre seu rosto agora. As lembranças pareciam fantasmas sobrevoando o quarto. Lembrou-se de quantas vezes o padrasto insinuou-se para ela, saindo seminu do banheiro. Algumas vezes, quando sua mãe não estava, ele saía totalmente nu. E de quantas vezes ele a abraçou tão firme que ela pôde sentir o pênis dele contra seu jovem corpo. Mas o medo de contar à mãe, de estar enganada, foi muito grande. E se estivesse interpretando mal as atitudes dele?, questionava-se, e carregou essa dúvida em seu coração até completar quinze anos, quando sofreu mais um assédio.

Nesse dia, compreendeu que, de fato, as atitudes do padrasto não eram normais. E o pânico tomou conta de seu coração, por isso transformou por completo sua maneira de vestir. Não usava minissaia, short ou qualquer outra peça mais ousada. Isso tudo porque, no fundo de seu coração, temia que fosse culpada pelo que estava acontecendo. Não obstante a vestir-se com compostura, tomar todo cuidado para fechar a porta do quarto e evitá-lo ao máximo, nada foi suficiente para impedir que...

Fred acordou nesse momento e a livrou daquelas lembranças horríveis.

— Mamãe, a senhora tá chorando?

Com a palma de uma das mãos, ela removeu rapidamente as lágrimas e tentou disfarçar.

— Não, meu querido. Foi apenas um cisco. Volte a dormir.

Impossível esquecerOnde histórias criam vida. Descubra agora