Capítulo 17

42 15 1
                                    


A pele se arrepiou levemente quando ela girou a maçaneta da porta. Mas, ao esticar o braço para acender a luz da sala de estar, o arrepio subiu para a nuca e desceu em seguida pelas costas, causando-lhe um estremecimento tenebroso. Ainda assim, Margarida não se deixou abater.

Não fazia muito tempo que a casa estava trancada. Contudo, já havia um irritante cheiro de mofo no ar que incomodava as narinas.

Ela andou devagar até o meio da sala, com a nítida sensação de que Suze estava ali, ao seu lado, acompanhando-a desde que cruzara o portão.

Os móveis, que se encontravam cobertos com lençóis ou sacos plásticos, não continham muita poeira acumulada, o que dava a certeza de que alguém de sua família, provavelmente Lígia, estivera ali para dar uma limpada.

Subiu a escada e foi direto para o quarto que pertencera à irmã. Retirou o plástico da cama e sentou-se. Os bichinhos de pelúcia e as bonecas, que ficavam sobre a colchão ou atulhadas nas prateleiras, haviam desaparecido. No entanto, as cortinas rosadas permaneceram nas janelas, assim como a velha cadeira de balanço, que fora de sua avó materna, continuava preguiçosamente acomodada no canto extremo do dormitório.

— Suze, será que você consegue me ouvir? Se consegue, me diga, pelo amor de Deus, por que fez isso? Por quê? — Os olhos se encheram de lágrimas. — Que boba eu sou. Mortos não conversam com os vivos, retrucou a si mesma.

Deitou-se no colchão gasto e fechou os olhos, com doces lembranças aflorando-lhe à mente, e, sem perceber, acabou cochilando.

Quando abriu os olhos, Suzane estava ajoelhada ao lado da cama, sorrindo. E sem falar nada, deu-lhe um beijo afetuoso e gelado. Margarida levou um susto e despertou.

Foi apenas um sonho! Apenas um sonho!, frisou para si mesma, e se levantou para vasculhar o quarto da jovem. Não sabia exatamente o que estava procurando, mesmo assim, continuou sua busca. Depois, foi até o aposento da mãe e outras lembranças agitaram-se em sua mente, enquanto revirava as gavetas do guarda-roupa. E descobriu em uma delas algumas peças íntimas da irmã. Por que essas roupas estão aqui?

Ao imaginar o motivo, seu estômago se contraiu em dor, e tratou de fechar rapidamente a gaveta. Oh, Deus, tomara que eu esteja enganada. Tomara!

Em seguida, lembrou-se do porão e encaminhou-se apressada para lá, apesar de nunca ter apreciado entrar sozinha ali. Encontrou a porta destrancada. Mesmo assim, um barulho estridente e rouco ecoou pela casa, quando ela girou a maçaneta.

Ela ordenou a si mesma que mantivesse o controle, e acendeu rapidamente a lâmpada que ficava logo acima do primeiro degrau da antiga escada de madeira, que rangia a cada passo que dava.

Margarida não conseguiu evitar que as lágrimas escorressem por suas faces quando avistou, em cima de um esquecido guarda-roupa à sua esquerda, o vaso que comprara para a mãe no primeiro Natal que passara em São Paulo, junto à família Fraga. Ela pegou o belo vaso na mão e acariciou-o por um longo tempo. A seguir, abriu as corroídas portas do armário e encontrou as bonecas que pertenceram a ela e a Suzane. Todas embaladas cuidadosamente em sacos plásticos transparentes.

— Oh, Deus, está tudo aqui! — murmurou emocionada, ao pegar a boneca preferida de Suze.

Mas as emoções não pararam por aí, pois aquele velho armário guardava um monte de coisas que pertenceram a ela e a Suzane. Ela não sabia que a mãe guardava ali, em pequenos estojos nomeados, até mesmo os dentinhos de leite dela e da irmã. E dentro de uma gaveta encontrou uma caixa de madeira, um pequeno baú. Curiosa, pegou a caixa com cuidado, sentou-se numa cadeira que estava ali perto e tentou abri-la, ficando frustrada ao perceber que estava trancada à chave.

Impossível esquecerOnde histórias criam vida. Descubra agora