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Quando estávamos no ensino médio, o cabelo existia no espectro sem graça de preto/castanho/ruivo/louro/grisalho/branco. Mas esta noite, em Kindling, temos Ryan chegando ao centro comunitário com o cabelo tingido de azul-turquesa. Dez minutos depois, Avery chega com o cabelo rosa da cor de um Cadillac da Mary Kay. O cabelo de Ryan é espetado como a superfície de um mar agitado, enquanto o de Avery cai delicadamente sobre os olhos. Ryan é de Kindling e Avery é de Marigold, uma cidade a 65 quilômetros de distância. Percebemos imediatamente que eles não se conhecem, mas que vão se conhecer.

Não somos unânimes quanto ao cabelo. Alguns de nós acham que é ridículo ter cabelo azul ou rosa. Outros desejam poder voltar no tempo para fazer o cabelo imitar a gelatina que nossas mães serviam à tarde. Raramente somos unânimes em relação a alguma coisa. Alguns de nós amaram. Alguns não conseguiram. Alguns foram amados. Alguns não foram. Alguns nunca entenderam para que tanta confusão. Alguns queriam tanto que morreram tentando. Alguns juram que morreram de coração partido, não de AIDS.

Ryan entra no baile, e Avery entra dez minutos depois. Sabemos o que vai acontecer. Já testemunhamos essa cena tantas vezes antes. Só não sabemos se vai dar certo, nem se vai durar.

Pensamos nos garotos que beijamos, nos garotos com quem transamos, nos garotos que amamos, nos garotos que não retribuíram nosso amor, nos garotos que estavam conosco no final, nos garotos que estavam conosco depois do final. O amor é tão doloroso; como podemos desejar para alguém? E o amor é tão essencial; como podemos atrapalhar o progresso dele?

Ryan e Avery não nos vêem. Eles não nos conhecem, não precisam de nós nem nos sentem no salão. Eles nem vêem um ao outro até se passarem vinte minutos de baile. Ryan vê Avery por cima da cabeça de um garoto de 13 anos usando (é verdade, tão gay) suspensórios de arco-íris. Ele vê primeiro o cabelo de Avery, depois Avery. E Avery ergue o olhar naquele mesmo momento e vê o garoto de cabelo azul olhando para ele.

Alguns de nós aplaudem. Outros afastam o olhar, porque dói demais.

Sempre subestimamos nossa participação na magia. Isso quer dizer que pensávamos na magia como uma coisa que existia independente de nós. Mas não é verdade. As coisas não são mágicas porque foram conjuradas para nós por uma força externa. Elas são mágicas porque nós as criamos e as consideramos assim. Ryan e Avery vão dizer que o primeiro momento em que se falaram, o primeiro momento em que dançaram, foi mágico. Mas foram eles, mais ninguém e mais nada, que deram magia ao momento. Nós sabemos. Nós estávamos lá. Ryan se abriu para o momento. Avery se abriu para o momento. E o ato de se abrir era tudo de que eles precisavam. Essa é a magia.

Concentração. O garoto de cabelo azul lidera. Sorri ao pegar a mão do garoto de cabelo rosa. Ele sente aquilo que sabemos: o sobrenatural é natural, e o milagre pode vir do movimento mais mundano, como um batimento de coração ou um olhar. O garoto de cabelo rosa está com medo, com tanto medo; só aquilo que você mais desejou pode assustar daquela maneira. Escutem os batimentos deles. Prestem atenção.

Agora, afastem-se. Vejam os outros adolescentes na pista de dança. Os desajustados à vontade, os rebeldes rasgados, os medrosos e os corajosos. Dançando ou não. Conversando ou não. Mas todos no mesmo salão, no mesmo lugar, se reunindo de uma forma que não podíamos fazer antes.

Afastem-se mais um pouco. Estamos olhando de longe.

Digam oi se vocês nos veem.

Two Boys Kissing (Português - BR)Onde histórias criam vida. Descubra agora