Anjos no inferno de São Judas*

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Em meio a uma torrente
De vozes mudas
Uma se ergue de repente
Uma voz que surda

Uma voz suave como o vento
Mortal como uma espada
Por trás de orações, altares
Louvores e adorações
Esconde- se muito sangue
Gritos de almas cansadas

E vozes de anjos há muito caladas
Esconde-se o medo nessas vozes
E por trás de faces angelicais
Escondem-se instintos ferozes

Lenvanta-se então a pequena voz
Com a força de mil vozes
Há mil anos enterradas
Balbuciando palavras
Estranhas e confusas
Ao mesmo tempo, tão puras...

Induzidas por um sentimento renascido
Que ao sucumbir ao tempo
Agora volta
Sangrando na boca
De um anjo adormecido

Uma voz de desafio
Que fala em justiça
Sem medo, sem temor

É então que, de repente,
Crê-se ouvir-se
O grito de algo que vem de longe:
É o anjo caído que agora cantou!

E outros parecem ter ouvido
Seu chamado
Pois agora derramam
Também as suas vozes
Que caem do alto
Em forma de choro e fogo
Incendiando igrejas e reformatorios
Orfanatos cheios de anjos pequenos
Que naquele momento
Brincavam de roda

Mas nem todos...
Onde estarão os outros?

Três encontram-se no confessionário
Mas o que teria um anjo a confessar?
A não ser que houvesse entre eles
Um anjo rebelde
Catando pedrinhas ao invés de rezar

Dois estão fugidos:
Quem sabe enfim criaram asas
Depois de serem purificados no castigo
Ainda há um resto de sangue
No cimento do pátio...

Outros dois estão escondidos
Quatro atrás de uma árvore
Lêem um livro de poesia
Que versa sobre a guerra
Noites aladas
E uma estrela que luzia

Nenhum deles sabia até então
Foi quando uma voz surgiu
Do fundo de toda escuridão

Mas já era tarde
Não havia tempo
Só o sangue que cobria o chão

Um assassinato
Um padre o culpado
Não pela primeira vez
O santo e o pecado
Lado a lado

Anjos de mármore
Tantos que enfeitavam
Os altares brancos
E as paredes brancas
Testemunhavam a terrível cena

Mas seus rostos eram imóveis
Eram lividos demais
Eram mortos.
Em seu olhar não havia piedade
Muito menos espanto ou terror

Apenas um silêncio voraz
Preenchia o espaço
Entre imagens, estátuas santas
E um corpo de menino

Um silêncio de voz que se cala
De uma voz que se calou
Tão jovem, tão cedo
Um silêncio de eternidade

O inferno parecia mais perto
Do que nunca
Seria ele quente como o sol da tarde
Que adentrava as janelas
Naquele momento
Dando ao sangue
Uma cor de crepúsculo
E à pálida pele do garoto morto
Uma aparência de amanhecer?

Ou seria ele tão frio
Quanto a face perfeita
E inexpressiva dos anjos?

*Poema inspirado no filme
"O inferno de São Judas".

A mariposa na janelaOnde histórias criam vida. Descubra agora