Aqui
Eu nunca disse que iria ser
A pessoa certa pra você
Mas sou eu quem te adora
Se fico um tempo sem te procurar
É pra saudade nos aproximar
E eu já não vejo a hora
Eu não consigo esconder
Certo ou errado, eu quero ter você
Você sabe que eu não sei jogar
Não é meu dom representar
Não dá pra disfarçar
Eu tento aparentar frieza mas não dá
É como uma represa pronta pra jorrar
Querendo iluminar
A estrada, a casa, o quarto onde você está
Não dá pra ocultar
Algo preso quer sair do meu olhar
Atravessar montanhas e te alcançar
Tocar o seu olhar
Te fazer me enxergar e se enxergar em mim
JOÃO PEDRO
Eu acordei com o sol iluminando o quarto. Abri os olhos sonolentos e na mesma hora fui invadido por uma sensação de que havia algo importante naquele dia. Quase que imediatamente lembrei da noite anterior e busquei Ana na cama. Quando meus olhos deram com ela, senti um baque por dentro e fiquei imóvel, apenas olhando-a.
Deitada de bruços, com os cabelos longos e castanhos espalhados pelas costas nuas, ela estava com o rosto virado para o outro lado, uma perna esticada e a outra dobrada, O lençol tinha descido até os quadris e dava para ver o início de sua bunda redondinha e macia.
A ereção com que acordava toda manhã ficou ainda mais dura. Sensações quentes, lascivas, percorreram meu corpo. Fui engolfado pelo desejo, mas também por sentimentos que iam além, de júbilo e alegria, simplesmente pelo fato dela estar ali. Flashes da noite anterior vieram à minha mente, o modo como seu corpo recebeu o meu, como me senti ao estar dentro dela, a textura de sua pele e cabelo, seu cheiro delicioso de morango que parecia impregnado em mim.
Fiquei assustado com a intensidade dos meus sentimentos. Por isso lutei contra a vontade de puxá-la para mim, abrir suas pernas e penetrá-la como eu queria, até me esvair todo dentro dela. Pulei da cama, ansioso, nervoso. Desde o início eu sabia que Ana era perigosa para mim. Agora aquilo só se tornava ainda mais patente.
Tomei uma chuveirada rápida, vesti um roupão branco e voltava descalço ao quarto, lutando para me controlar, quando a campainha tocou. Parei estático. Ana acordou e se moveu na cama, olhando em volta, se virando. Quando me viu, seus olhos se arregalaram e brilharam. Tardiamente se deu conta dos seios nus e puxou o lençol para cima, ficando corada, sorrindo um pouco tímida.
A campainha tocou de novo e respirei fundo, pois poucas pessoas eram liberadas pela recepção para subir direto. E nenhuma delas eu queria que visse Ana ali. Fiquei com medo que pudesse ser Vítor. Culpa me engolfou, mas não perdi tempo com aquilo. Falei baixo:
- Fique aqui, Ana.
- Tá. – Ela concordou com a cabeça, linda e pura. Tive vontade de ignorar quem quer que fosse e ir beijá-la. Mas respirei fundo e saí do quarto.
Quando cheguei até a porta da frente, olhei pelo olho mágico e dei com Fernanda. Porra. Suspirei e abri a porta.
- Oi, querido. Já tomou café da manhã? – Deu-me um beijo nos lábios e entrou no apartamento, mostrando-me duas sacolas. – Trouxe delícias dessa padaria que tem aqui perto!
Sorriu para mim, linda e jovial em jeans, os cabelos soltos pelos ombros, os olhos verdes brilhando. Só então fechei a porta. Quando a encarei em silêncio, seu sorriso diminuiu e indagou:
- Hei, aconteceu alguma coisa? Desde ontem você está esquisito. Quando saiu sem se despedir, fiquei preocupada. João?
- Estou acompanhado, Nanda.
- O quê? – Ela arregalou um pouco os olhos, surpresa. – Aqui?
- É, aqui.
- Mas ... Você não traz ninguém aqui! Nenhuma mulher.
- Essa eu trouxe.
- Meu Deus. Não sei nem o que falar. – Parecia pálida, realmente surpresa. Franziu o cenho. – Pensei que ... Bom, desculpe aparecer assim. É que não tem esse negócio de avisar entre nós dois.
- Claro que não. – Passei a mão pelo cabelo úmido, tanto eu quanto ela desconfortáveis. Lançou um olhar em direção ao corredor, onde ficava o quarto.
- Por isso estava estranho. Conheceu alguém. E deve ser importante, ou ela não estaria aqui.
Entre nós não havia ciúmes ou cobranças. Por isso me senti mais à vontade, mesmo sabendo que Fernanda tinha razão e que a única mulher com quem eu transava que deixava frequentar meu apartamento era ela, por nossa relação antiga e de amizade sincera. Sabíamos tudo um do outro e percebi seu incômodo, relacionando-o mais ao fato de não ter lhe contado nada do que por ciúme.
- É complicado, Nanda.
- Imagino. – Fitou-me atentamente. – É uma submissa?
- Mais ou menos.
- Como assim?
- Eu a iniciei ontem.
- Complicado mesmo. Baunilha. Deve ser mesmo importante. Posso saber quem é ou é um segredo? – Mantive-me em silêncio, pensativo. Confiava cegamente em Fernanda, mas algo me travava. Eu ainda não queria expor Ana. E havia Vítor. Ainda me sentia um traidor. – Tudo bem, não precisa dizer nada. Vou indo.
Ia se dirigir à porta, mas passou por mim e segurei seu braço. Vi que estava magoada e acabei abrindo o jogo:
- Eu ia contar a você. É que ainda não entendo bem o que aconteceu. Ela é a ex-noiva do Vítor.
Fernanda franziu o cenho, estática.
- Fala sério? E ele sabe?
- Não pode nem sonhar.
- João, o que deu em você? É louco por seu primo, sua família ... E sabe que Vítor está desesperado por causa dela.
Soltei seu braço, irritado por me fazer sentir pior. Fernanda se arrependeu de imediato e me abraçou.
- Desculpe. Só tomei um susto. É que não esperava isso.
- Nem eu, Nanda. Mas aconteceu.
- Agora to preocupada. – Acariciou meu rosto e deu um passo para trás. – Você não é de agir sem pensar. Posso fazer alguma coisa?
- Não.
- Ah, João ... Meu amigo, cuidado. Olha lá onde está se metendo!
- É temporário. E está tudo sob controle. Não se preocupe.
- Certo. Cuide-se, ta bom? E se precisar de mim, sabe onde me encontrar. – Estendeu-me as sacolas. – Toma, divida o café-da-manhã com ela.
Eu me senti tão culpado, que por um momento tive raiva por ficar com a Ana e ver Fernanda sair dali bem diferente do que tinha entrado. Ela era importante demais para mim.
- Não. Esse café era nosso. Prometo recompensá-la logo.
- Eu insisto. – Deixou as sacolas sobre o aparador do Hall e suspirou. – Depois a gente se fala.
- Procuro você ainda hoje.
- Não esquenta. – Beijou meu rosto e abriu a porta.
- Fernanda ...
- Sim? – Virou, quieta, sem sorrir.
- É temporário.
- Eu sei. Sempre é. – Soprou-me um beijo e saiu.
A culpa que senti foi ainda mais forte naquela manhã. Se eu me sentia assim perto de Fernanda, como seria ao encarar Vítor?