VI. Falling

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LEXA

O complexo de apartamentos onde costumava morar estava exatamente igual. Notei que minha ausência não havia causado nenhum desalinhamento galáctico, ou a abertura de uma cratera, pois essa é a realidade, nós, seres humanos, nos achamos criaturas importantes, superiores, arrogantes ao ponto de acreditamos que algo catastrófico ocorrerá com nosso desaparecimento, quando, na realidade, a vida segue exatamente igual. Somos apenas um sussurro num mar de gritos. Irrelevantes e facilmente substituíveis.

Passei direto. Deixando para trás qualquer remorso que me fez voltar nas demais vezes.

- Minha tia Indra foi presa.

Essa foi a primeira coisa que Raven disse após eu atravessar a porta, por mais que eu quisesse demonstrar surpresa, não consegui. Ser presa, naquele bairro, era a mesma coisa de dizer que você tem consulta com o dentista. Normal.

- Por que? – questionei no mesmo tom calmo da latina.

Ela deu de ombros e bufou um pouco contrariada – Eu não sei, porque ela é uma idiota? – me olhou como se eu já soubesse dessa informação (o que era parcialmente verdade), tia Indra conseguia quebrar a barreira da loucura, todos sabiam disso. – Mas agora eu sou responsável pelo Lincoln – jogou ambas as mãos para o ar.

Ri quietamente ao pensar no garoto que mais parecia uma máquina programada para matar. Ele era o rapaz mais robusto das redondezas; braços que mais pareciam troncos, peitoral bem definido pelas incontáveis horas que passava malhando, pele naturalmente bronzeada, olhos cinzas, careca apenas porque sabia que isso o dava um ar mais másculo, o tão conhecido "pegador", mas, internamente, Lincoln era um urso de pelúcia, apesar de sempre estar metendo-se em brigas, sendo expulsos de escolas, sendo escoltado pela polícia...

- Mas nós amamos aquele encrenqueiro – pontuei calmamente e Raven acompanhou minha calma, suspirando em resignação.

- É, eu o amo, mas se ele trouxer sequer uma vagabunda para cá eu irei castrá-lo – ameaçou e eu senti que ela falava sério, com Reys você nunca sabe realmente. – Ele vai dormir no sofá – resmungou e saiu.

Aquele tipo de coisa era tão natural para mim; diversas pessoas morando numa única casa, vizinhos invadindo seu espaço, gente gritando, amigos dormindo no chão... Era como se todo o bairro fosse uma casa gigantesca onde todos estivessem convidados a entrar. Era bagunçado, confuso, violento, mas, de alguma forma, era também meu lar.

**

- E aí, Linc – cumprimentei o garoto, poucos meses mais velho do que eu, e ele sorriu naquele ar confiante, estreitando levemente os olhos.

- Nem me venha com essa, Heda – falou e me puxou para um abraço, me erguendo no ar com a facilidade que alguém ergueria um copo de água.

Gargalhei com a ação e bati levemente em suas costas para que ele me soltasse.

- Quer dizer que finalmente moraremos juntos?! Depois de todo esse tempo de casados, parece um sonho – anunciou num ar brincalhão, relembrando da nossa "cerimônia" de casamento que realizamos quando tínhamos cinco anos de idade.

Novamente sorrir, era impossível ficar séria na companhia dele.

- Mal sabia eu que jogaria no mesmo time que você – admiti e foi a vez dele de sorrir, naquela forma expansiva e calorosa de sempre.

Lincoln era um dos meus melhores amigos e éramos inseparáveis, até meus treze anos, onde tudo começou a desandar terrivelmente, tanto para mim, quanto para ele.

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