VIII. In pieces

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CLARKE

Meu aniversário veio e foi. A excitação com a festa não foi nem de longe a que eu havia planejado, mas tentei aproveitá-la ao máximo, afinal, muitas pessoas se empenharam para que eu tivesse "o dia dos meus sonhos", e não é como se não houvesse sido divertido, foi sim, mas tudo parecia tão superficial... Inclusive eu.

Estava feliz por ter deixado a data para trás, talvez agora pudéssemos falar de outra coisa que não fosse a "festa do ano"... A festa onde fiquei ansiosamente esperando uma pessoa que sequer havia convidado.

- B-day girl!

Sorri instantaneamente com o entusiasmo daquela voz. Aquela instigante alegria apoderando-se aos poucos.

- Obrigada – agradeci e fechei a porta do armário, finalmente sendo capaz de encará-la. Perdi a fala por alguns segundos ao ser presenteada com seu deslumbrante sorriso, mas logo o retribuí – Você parece feliz hoje – constatei de forma leve.

Lexa acenou em concordância e tateou algo dentro da mochila – Aqui – me entregou uma pequena caixa, com uma fita de cetim azul enrolada.

- Você não precisava... – fiquei surpresa com o gesto.

- Cala a boca e pega logo – falou e eu gargalhei baixo.

- Okay, okay.

Abri a caixinha e me deparei com uma única chave. Uma chave comum, de abrir portas ou armários, o que me deixou minimamente confusa. Girei o objeto entre os dedos.

Ao notar meu desconcerto, tratou de me tranquilizar.

- Você irá desvendar – concluiu simplesmente e partiu, me deixando com mais dúvidas ainda.

**

"Essa chave abre uma porta que nunca estará fechada para você. Um lugar onde você não precisará nunca fingir ser quem não é, ou sorrir sem estar feliz. Se descobrir onde é esteja lá às 4pm."

Eu relia a minha única pista pela quarta vez, para ser completamente honesta eu tinha quase certeza da localização, não era nenhum mistério digno de Agatha Christie, mas eu não queria estar enganada sobre aquilo, seria um pouco humilhante caso estivesse, e também porque a cada vez que eu o lia um sorriso bobo cruzava meu rosto.

- Você não está usando a joia que te dei – Finn pontuou, passando o braço por cima do meu ombro e me puxando para mais perto.

- Eu não queria perder – menti e sorri de canto – Mas eu amei o colar – menti mais uma vez, pois era um colar odioso de um "F" com diamantes incrustados.

O que ele achava que eu era? Um cachorro?

- Você não irá, apenas use – me selou os lábios e saiu na companhia dos seus amigos esportistas idiotas.

Revirei os olhos e bufei internamente. Aquilo estava ficando insustentável e mais uma vez uma vontade incontrolável de vomitar me acometeu, começava a achar que era pela presença do garoto.

**

- Olá, Clarke – Bellamy me cumprimentou sem tirar os olhos do livro que tinha em mãos.

Estávamos na parte mais inóspita do colégio, onde havia árvores, grama e ar puro, do qual parecíamos alérgicos. Eu e o garoto de cabelos rebeldes éramos os únicos ali, escondidos atrás de uma árvore centenária que proporcionava uma agradável sombra.

Suspirei ruidosamente, apoiando minha cabeça sobre sua coxa.

- Qual é o problema? – ele indagou, dessa vez fechando o livro.

- Não me sinto tão bem- admiti, me referindo a maldita dor de cabeça, mas deixei a ideia no ar, preferindo focar noutro tópico - Eu sou uma boa amiga para você? – busquei seus olhos âmbar, tão distintos dos azuis-violeta de Octavia, mas igualmente amáveis.

Bellamy franziu o cenho, estranhando o teor da minha pergunta – Claro que é – me tranquilizou, como se a simples indagação fosse ridícula – Você sempre esteve ao meu lado, nunca traiu minha confiança – completou e fez um leve cafuné sobre os meus cabelos – Por que está me perguntando isso?

Desviei o olhar, focando-me nas folhas que balançavam sobre nossas cabeças.

- Às vezes eu não acho que mereço as pessoas que tenho – admiti tristemente.

- Isso é ridículo, você é ótima, da onde tirou essa ideia? Alguém te feriu, aquela garota... Lexa? – quis saber, um tanto enérgico.

Fui rápida ao negar.

- Não, não é ela – pausei, pois de certa forma era ela – Quer dizer, é sobre ela, mas não é ela que está me ferindo, o contrário na realidade – revelei e novamente procurei algum traço de compreensão no rosto de Bell. – Eu nem a convidei para o meu aniversário e olha o que ela me deu – tirei o bilhete que encontrei junto à chave do bolso e o entreguei.

- Ela gosta de você – ele constatou o óbvio e eu apenas o lancei um olhar apático de "Não brinca?! É mesmo? Nem tinha percebido" ele riu, como se tivesse lido minha mente – Você gosta dela também? – continuou com aquele sorrisinho presunçoso sobre o rosto e eu o dei um soco leve na barriga.

- Você é um imbecil – sussurrei, mas não pude deixar de notar que não fui capaz de negar aquela indagação, quando finalmente pude me dar conta dos desdobramentos daquilo, de não conseguir negar estar apaixonada por uma garota, meu coração parecia uma bateria de escola de samba. – Meu Deus – foi a primeira coisa que consegui dizer após longos minutos – E se eu gostar dela dessa maneira? Como você descobriu ser... – deixei a ideia no ar e me sentei, pois deitada era mais difícil respirar.

- Ser gay – ele completou para mim, não se incomodado com o fato de eu não ser capaz de pronunciar o termo. – Não foi algo que eu escolhi, não acordei certo dia e disse "hoje eu vou ser gay"; é solitário, mas é quem você é, é algo que você tenta ao máximo não ser, mas não tem jeito porque não importa por quanto tempo você viva em negação, em algum momento alguém vai chegar e derrubar todas suas barreiras, e de repente a única coisa que você pensa é sobre fazê-la sorrir, e o medo de perdê-la é maior do que admitir que talvez você seja gay e que não tem problema amar quem você ama... Que você não é uma anormalidade, ou um erro.

Eu estava com os olhos completamente marejados ao final da revelação de Bellamy, pela primeira vez eu me dava conta que nunca havíamos realmente conversado sobre isso de uma forma mais íntima. Eu sabia sobre sua sexualidade, sabia sobre sua vida amorosa, mas eu nunca soube como ele se sentia... O que ele sentiu antes de se aceitar. Eu deveria ter sido uma amiga melhor, eu era a única pessoa que sabia sobre seu segredo... Eu deveria ter estado lá por ele, deveria ter estado lá com ele.

O abracei, o mais forte quanto pude.

- Você nunca terá que ficar sozinho novamente – o prometi e enxuguei algumas lágrimas com o dorso da mão, ato repetido por ele, que rapidamente estava a sorrir, tentando suavizar o clima.

- Mas e então, o que você sente por ela?

Dei de ombros, coçando a têmpora – Tudo depois da parte onde barreiras são derrubadas – brinquei, já me impulsionando para cima.

- Então acho que você tem um compromisso daqui a trinta minutos – falou displicente, voltando a ler.

Foi impossível não sorrir... É, eu tinha mesmo. 

NYCTOPHILIAOnde histórias criam vida. Descubra agora