Capítulo VII - O Sótão

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Octavia.

Minhas pálpebras tremeram ao abrirem-se. O chão em que me encontrava era frio, íngreme e arenoso. Com minhas pernas e mãos vacilantes, tateei o escuro na procura de um interruptor.
- Octavia? - disse uma voz familiar.
Era ele.
- Lincoln? - sussurrei.
- Oi, O - murmurou ele em resposta.
- Oh, Deus! - engoli em seco. As lágrimas estavam inundando meus olhos - Onde estamos? Como você pode estar...
- É o teste, linda - afirmou ele - Ele quer que você encare seu maior medo. Não faz a menor ideia de onde estamos?
A escuridão incessante, o frio, a solidão. Apenas um lugar me dava aquela sensação sem igual.
- O sótão.
- Sim.
- Como enfrentarei meu maior medo sem visão? - vociferei - Lincoln, eu estou com medo.
- Eu sei disso - disse ele - Milo está vindo nos ajudar.
- Milo?
- Na sua mente tudo é possível. Você sabe que ele sempre estará por perto para te salvar - continuou ele, pude afirmar que ele estava sorrindo - É o homem da sua vida.
- Lincoln, eu...
- Você não precisa negar ou afirmar nada, O - disse ele - Você me amou, eu sei disso. Nós sabemos disso. Porém você também o ama, mesmo que não queira admitir.
As luzes se acenderam. Lincoln havia sumido.
- Octavia? - disse Milo, abrindo a porta do alçapão.
- Milo!
- Venha, precisamos sair daqui - disse ele - Kane está nos procurando.
- Kane?
- Não dá tempo de explicar, venha.
Agarrei a mão dele e, juntos, saímos de lá.
                               +++
Estávamos em Arkadia. Uma Arkadia intacta, completa. Como era no princípio.
- Isso não faz o menor sentido - disse - Como Kane e Lincoln podem estar...
- Eles não estão. Isso tudo está acontecendo na sua mente, O - disse ele - E eu estou aqui para te guiar ao fim do seu teste.
- Qual o objetivo disso tudo, M? - indaguei - Eu estou com medo.
- Eu sei disso, amor - ele segurou minha mão - O objetivo desse teste é avaliar se você, mesmo não sendo Wanheda, é capaz de achar uma cura. E, para isso, você precisa escolher.
- Escolher?
- Entre nós, Octavia - disse Lincoln, saindo de uma das portas - Nós dois podemos ser seus guias, mas apenas um levará você no caminho certo.
Engoli o seco.
- O que acontece se eu escolher o errado?
- Você ficará presa no sótão, para sempre - disse Milo, cabisbaixo.
Eu estava encurralada. Eu amava Milo, ele fora quem me apoiara até mesmo quando eu estava confusa. E Lincoln, minha primeira paixão, arrancado de mim tão precocemente.
- Eu me escolho - disse, por fim - Eu não preciso que nenhum homem me mostre o caminho, eu descobrirei sozinha. Eu sou Octavia Blake.
Com um sorriso no rosto, segui em direção norte e deixei os dois sozinhos.
                              +++
As tropas de Kane percorriam quase todos os corredores. A princípio, foi quase impossível passar despercebida, mas acabei conseguindo.
- Você vai se esconder e se esgueirar pelos cantos como um rato, Octavia - bradou uma voz atrás de mim.
Ela estava mais imponente, seca e mais esplendorosa do que outrora era.
- Indra?
- Olá, criança.
- Lincoln! - atropelei - Ele está...
- Eu sei, Octavia, eu sei - ela sorriu - Agora preciso que você termine o teste e salve o seu povo. E quando digo seu povo, não me refiro unicamente aos Skaikru. Você é a Heda.
- Polis já não existe, Indra - disse - A Terra está se deteriorando.
- Eu não falo de Polis, Octavia. Eu falo dos terráqueos, o povo por quem você é responsável.
- Indra, eu...
- Ora, ora. Bem na hora - Kane anunciou.
Congelei. Havia sido pega.
- De todas as pessoas que vi até agora, você foi a menos agradável - proferi.
- Imaginei - disse ele - Todavia, eu sou a única pessoa que vai te dar o que você quer.
- E o que eu quero?
- No momento, terminar isso tudo. Porém, o que você mais deseja é se encontrar - disse ele - E isso, Octavia, ninguém pode fazer por você além de mim.
- Está errado - disse, impávida - Você me deu vida, Kane. Você me deu vida mas nunca foi meu pai, nunca foi um exemplo para mim, muito pelo contrário. Eu sei quem sou. Sou Octavia Blake, ainda que não carregue o sobrenome por direito.
- Mas você... - ele iniciou
- Mas, além de tudo, - segurei a mão de Indra - Sou a Heda, e a dona do meu próprio destino.
Ele sorriu para mim e a mão de Indra desvinculou-se da minha. Ela havia sumido e Kane também.
                               +++
Eu não era mais uma garotinha indefesa, a garota que mantinha-se escondida no sótão para viver. Eu era absoluta, independente, onipotente. Eu tinha aqueles que morreriam por mim e tinha aqueles por quem eu morreria. Eu nunca fora uma bastarda, tampouco um estorvo. Eu sabia o que precisava fazer: achar uma cura para todos os povos que caminham sobre a Terra. Todos mereciam a chance de viver, de serem felizes com suas famílias e serem os donos de seus próprios destinos.
- Você está pronta para retornar, O? - disse Milo, sorrindo - Acho que mesmo falhando nesse teste, você venceu os seus múltiplos outros.
- Eu nunca me senti mais vencedora do que estou agora, Milo - disse, sorrindo em resposta.
Enquanto a figura dele sumia, os lampejos de luzes brancas ao meu redor deixaram-me cega. Caí no chão, perdida, indefesa. Estava cercada pela escuridão mais tenebrosa, a escuridão do sótão. Mas esse sótão não era o mesmo que me prendera por muito tempo, esse era o sótão onde finalmente eu poderia expressar minha voz.

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UM FELIZ DIA DAS MULHERES PARA TODAS VOCÊS QUE, ASSIM COMO OCTAVIA, SÃO DONAS DO SEU PRÓPRIO DESTINO.

The 100 (#3)Onde histórias criam vida. Descubra agora