A Gota De Tinta

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Adentro meu quarto, o santuário dos sonhos quebrados, cujos cacos colados nas tenuas e escuras paredes ressoam a triste melodia do último suspiro de um sabiá, quando por eles o vento passa.
A mesa a frente a cama, de mogno e espelho circular. Fotos de lembranças carimbadas de amargura e frieza, dispostas nesse vidro, ja gélido pela brisa cortante da noite. O relógio ao canto direito toca soando o som da lua, o som da madrugada, o som das doze badaladas cantadas pelos ponteiros a girar sinuosamente segundo a segundo.
Sobre a cama, um gato, tigre seu nome, não pela aparência, pois é negro como o coração de um poeta morto, mas sim pela sua natureza selvagem e garras que dilaceram me a meu leito. A janela sempre aberta para lembrar me que ainda à vida dentro de mim, quando o sopro do norte invade-a e me toca.
Sob meus cansados pés um assoalho, de cor umbrosa, que gemem às minha passadas leves, de dor? Talvez, mas de lamentos? Certamente!
Voltando me a mesa, sobre sua planície, disposado, um diário, capas negras e fivelas prata, cordão de cetim cor de sangue, as paginas aparência envelhecidas e fragilidade explícita.

Ao lado uma caneta, antiga, branca e de pena, sob tal um tinteiro contendo o fluido das palavras, o elixir da essência e da escrita, a tinta.

Madame Anne, teve a honra de me presentear com tal objeto, um diário. Falando ser uma recomendação do senhor de branco do consultório. Quem sabe foi uma ótima idéia, ou uma das mais destrutivas ja pensadas.
Tal coisa mais perigosa e santa um diário. Nele estão enterrados segredos, profanações da mente humana, desejos de vida, e de leito póstumo, se revelados matam a confiança e alerta a insegurança.
Se ditos abala um coração, se reprimidos destroem o casarão. O corpo de seu escrivão.

Lanço me a uma cadeira, com a mão direita, mergulho duas vezes a pena à tinta. Com a direita abro o livro negro; passo as páginas ja ditas e rabiscadas, na que esta em branco deixo uma gota cair bem no centro, ele não se espalha, se mantem ai imóvel, até ser absorvido e entrando para a eternidade do papel.

QUERIDO DIÁRIO:
Hoje contarei mais um dia. Milagroso espero que dizes, mas não, monótono seria o certo. Neste segunda semana de janeiro, me sinto mais só do que qualquer outro momento, amigos? Sera que tenho? Eu visitei, sim fui um fraco novamente, mensagens eu enviei, mas elas foram respondidas? Não, momentos depois respostas com desculpas e perjurações recebi, no entanto mentiras foram ditas ali. Eles me evitam, o motivo? Não tenho a mínima idéia.

Helena, com sua gentileza e desproveza de sabedoria, caiu na mesma armadilha, que eu cairá tempos antes, sua amiga (ou pensava que fosse) a humilhará na frente das princesas do sarcasmo e alienismo, o motivo? Sempre o mesmo, a necessidade de pertencer a um grupo descolado e que se denominam a cima da sociedade, apenas por ter um busto avantajado, curvas e cachos adquiridos superiormente.
Helena coitada, depois da terrível humilhação que sofreu, correu para o banheiro chorar, mas ela não viu o piso molhado e se estatelou no chão. Neste momento, esta no sétimo andar da emergência com dez pontos no seu belo rosto, agora marcado pela traição de sua amiga.

Senti pena, penso que seriamos ótimos amigos, mas Helena não sabe quem sou eu, como a maioria nessa escola, isso é a vantagem de ficar enclausurado em seu próprio lugar, seu próprio mundinho, sem status, sem padrões, sem desmoralização juvenil.

O único momento em que sinto vivo e ativo é na aula de artes, onde o que eu sinto e me expresso é realmente levado em consideração.
Genize, uma mulher com um ótimo coração, meia estatura, voz calma e singela, olhos claros como águas do caribe, cabelos rubros e lisos.
Ela tem o dom de ver habilidades em mim que não pude observar devido as manchas de repugnância que atrapalham minha visão, minha mente.

O único momento que me vejo feliz, motivado, e que faz um sentido para mim.

Maurício, meu ajudante nessa caminhada difícil, disse me no consultório, que necessito de me abrir, para as pessoas, sair, socializar, fácil falar, fácil pensar em fazer amigos, sair com uma mascara de felicidade costurada as cegas em minha face e me jogar aos leões.
Mas querido diário eles não sabem de absolutamente nada, nunca vão me entender.

Percebo que aquela gota de tinta sumira dando lugar as minhas palavras transcritas no papel.
Permaneço com o diário aberto para que o sopro noturno ajude me a secar a tinta. Levanto da cadeira, caminho lentamente à janela, me debruço ao parapeito e olho para a lua, grande e perfeita, imagino como seria esta la, na calmaria do infinito, no expandir dos céus e horizontes.
Minutos passam, o relógio volta a soar, agora a segunda badalada pós meia noite. Curvo me para voltar por inteiro no quarto, fecho a janela, limpo a pena, tranco meu diário, Lanço me entre os lençóis e apago a luz.

Memórias de um ESQUECIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora