Escritos De Morte

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         -Gabriel... GABRIEL? Querido. O que houve? - pergunta madame Anne enquanto bate na porta.

Meu corpo estático de pavor se mantém sobre a cama. Sem forças para responder. Estou de bruços. Meu rosto virado para a parede ao outro lado do quarto deixa meu pescoço dormente. Enquanto contemplo inerte a parede penso: Quero muito ser ela agora. Vazia, parada, sem vida.

As batidas abafadas de Madame Anne na porta ecoam ao longe. Existe uma barreira entre nós, mas não é a porta. Uma corrente gélida entra pela janela afastando as fantasmagóricas cortinas alvas. Eu que a abri? Penso olhando a janela. Talvez.

Minha mente esta em pêndulo, balançando singularmente entre o passado e meu presente, não me deixando ver o que está de fato acontecendo. Aquele homem, aquela rosto, aquele sorriso bêbado. Seria ele? Seria ele ali na minha frente? Seria ele vindo à minha procura? Ou seria apenas o inevitável acontecendo novamente. Inúmeras dúvidas tomam conta de minha conturbada mente.

Toc, toc... Ecoa ao longe. Quero levantar, quero abrir a porta, quero abraçar quem esta do outro lado. Mas os grilhões da escuridão me prendem a minha alcova agora úmida de suor. Não quero ficar ali, mas só não consigo sair.

Sinto algo se movimentando em minhas costas. O sentimento pavoroso aumenta dentro de mim. Será ele, aqui no meu quarto? Meu coração para subitamente. Meu ar cessa. Minha mente se fecha.

-Amigo. Não te vejo na escuridão, mas sinto sua dor...

O ar toma posse de meus pulmões. Lembro-me de ainda estar com a mochila nas costas. Com o corpo menos tenso consigo perceber o peso leve dela. Ele quer sair! Meu amigo. Meu diário.

Uma força fora de mim me ergue na cama. As batidas cessaram ao outro lado da porta. O vento não sopra mais. Despido a mochila, e de dela retiro o negro livro, com sua fissura e fivela na capa. Com seu poder de tirar de mim todo o peso do mundo.

Meu tinteiro não está dentro. Olho em direção á mesa a sua procura, mas nada vejo. Onde está? Onde?

-Na cama, amigo, eu o peguei para você!

A voz calma e única toca meus ouvidos. Um arrepio sobe na minha espinha. Tateando ao meu redor sinto o frasco de tinta que estranhamente estava ali. Ao retirar a caneta da mochila, percebo o silêncio ensurdecedor que paira ao meu entorno. Nada soa, nada acontece. Será que madame Anne ainda esteja lá fora me aguardando? Talvez.

Toco o assoalho com os pés, de alguma maneira, ele se encontra mais quente que meu corpo. Mesmo o dia ter sido frio. Puxo a cadeira de espaldar marrom, e me lanço sobre a tal. Deposito sobre a mesa o diário, a seu lado o tinteiro. Destranco o livro, em seguida abro o frasco de tinta. Com a pena em mãos, espero um tempo antes de mergulha-la no fluido da escrita. Passo as páginas já usadas, acaricio uma em branco. Tão lisa e vazia, ela me chama, pede por mais palavras, consigo sentir sua fome. Fome de dor, lamentos, e pensamentos.

-O que está esperando, meu amigo? –Ele pergunta friamente.

Não soube responder. Dessa vez sua voz estava diferente. Não soou calma e tampouco familiar. Recuo à caneta do tinteiro. Uma massa fria paira sobre a mesa. Aproximo minha mão do diário, com intenção de fecha-lo. Não quero mais escrever. Mas ao tocar nele ouço:

-NÃO FAÇA ISSO!- Ele grita. Assusto-me e caio da cadeira.

Ao cair chuto a mesa e o frasco de tinta voa para cima. Levando tinta para todos os lados. Meu corpo faz um baque surdo no chão. Levanto do chão, e levanto também a cadeira. Olho para mesa, e fico paralisado. As paginas em branco que estavam abertas, agora estão preenchidas. Estão completamente escritas com uma mesma palavra. Morte.

Sinto um formigamento subindo pelas minhas pernas, minha respiração se torna rarefeita, meu coração acelera, um fio de suor frio desce cortando minha nuca.

-Gabriel? O que aconteceu?- Pergunto Madame Anne que retornara á porta. –Que barulho foi esse?- Não consigo responder. Minha vista começa a escurecer. Ouço-a falando do outro lado, mas não consigo compreender suas palavras. A maçaneta começa a tremer, ela esta forçando a entrada.

-AHAHA! – Uma gargalhada alta vem da direção da mesa. Seguidas de palavras de morte.

-MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE, MORTE... –A voz começou a se aproximar.

As palpitações aumentaram, me sinto zonzo e prestes a cair. Madame Anne começa a se jogar contra a porta na tentativa de abri-la. Estico o braço para abrir, mas caio no chão. Minha visão escurece mais. Mas antes de chegar a um ponto onde não vejo mais nada. Madame Anne, consegue arrombar a porta. E com o seu jogo de corpo ela cai no chão, bem ao meu lado. Minha vista escurece por completo. E sinto sua mão sobre meu rosto, então perco a consciência.

Memórias de um ESQUECIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora