Quinze Meses Atrás

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  [ Para uma leitura mais sensorial. Ouça a musica acima enquanto leia.]


QUERIDO DIÁRIO

Nunca saberemos como nossa vida será daqui a algum tempo. Há alguns dias eu lhe prometi voltar um pouco mais ao passado, no entanto eu volto mais do que prometi.
   Temos coisas... Eu tenho, e é claro que não é evidente. Penso eu que isso que irei contar me ajudará mais para frente, quando eu... Quando nós precisarmos...
    
     - ESCREVA! - Ele sussurra.
    Enquanto ainda residia com Mônica, eu costumava fazer coisas, não imorais. Espero que não pense isso.
  Hoje eu entendo o quão ignorantemente repulsivo eu fui naquela época.
   Rotularam-me "descolado", o rebelde sem limites, entre outras nas quais eu não quero relatar. Eramos seis, eu, Lucas, Eduardo, Elias, Rogério e Bruno.  O grupo, gangue ou como preferirem os sem mentes. Assim que nos nomeio hoje... Assim que os nomeio, quero me retirar desse meio fétido.

    Acho meio grosseiro escrever essas coisas em suas páginas tão boas que tanto vêem me auxiliado nessas semanas. Mas como eu preciso, então seguimos em frente. Ou melhor, seguimos para trás.

     Por motivos não muito relevantes à você, esse quem vós escreve, se metia em muita confusão e problemas sem se importar com quaisquer que seriam as futuras consequências.
   
    Um dia comum a exatos quinze meses, o grupo se reuniu perto de um galpão abandonado, a doze quadras do colégio. Estávamos planejando à dias aquilo, Lucas, Bruno e Rogério, levaram as bebidas, Eu, Elias e Eduardo ficamos com as bombas. Sim, bombas, estouravamos, bombas lá, era uma das nossas "diversões" como baderneiros, as bebidas eram um detalhe. E para deixar claro, eu não bebia, nunca fui disso, apenas os via beber enquanto explodiamos nossas pequenas bolinhas de pólvora.
     Lembro nitidamente, era cinco da tarde, estava perto das primeiras rondas dos guardas passarem pelo bairro. Segundo o noticiário tinha um louco que estava solto, um pervertido. Atacou duas moças na madrugada, agredia e as abusava.
   Mas como qualquer adolescente de quinze anos, naquela época eu não ligava a mínima.
   O restante do grupo tirando eu e Eduardo, estavam visivelmente alterados, alcoólicanente falando, não se aguentavam de pé. E com a bebida, consequentemente, vem as idéias mais mal pensadas do mundo, ainda faltava uma garrafa cheia de bebida, Rogério sugeriu que acendessemos uma bomba na boca da garrafa e ver se era forte o bastante para explodir o conteúdo dentro.  E como já sabe o grupo desvairado apoiou.
      Colocamos a bolinha explosiva na boca da garrafa, Elias pegou a caixa de fósforos e descuidadamente acendeu o palito, trêmulo aproximou as chamas perto do pequeno pavio da bomba. Quando ele então faiscou e nós corremos para o lado contrário. Não durou dez segundos e um grande som irrompeu o ar, causando um vagaroso ruido agudo aos meus ouvidos. A explosão foi mais forte do que pensamos, a garrafa se estilhaçou em mil cacos que voaram como flechas à todas as direções. Sinto um leve ardor perto do ombro, ao olhar vejo um fio vermelho escorrer pela camiseta cinza. Um dos cacos havia me cortado.
    Não se passou segundos que o ruido da exploração se dissipou e outro som nos alertou. Uma sirene. A ronda estava ao lado do galpão, e com a exploração sem precedentes que nós causamos, chamou a atenção da tal.
    Desesperados corremos para os fundos onde tinha outra saída, esta que levava ao matagal. Corremos como se a nossa liberdade passageira sofresse o risco de ser retirada de nós.
   
     O matagal se estendia até o outro bairro, não era muito frequentado, mas no momento de mais alta excitação não evitamos esse caminho que por alguma razão estava ali, só para a nossa fuga sem sentido.
   Havia muitos buracos e montanhas de escombros para desviarmos. E aguentamos o máximo corremos sem cansar.
   No entanto, como as coisas erradas sempre acontecem nos seus momentos mais inoportunos, o que de mais inesperado aconteceu, minha visão escureceu derrapante, e meu corpo sem questionar, caiu em um buraco. Mesmo com a visão impossibilitada por algo que no momento não me vinha a cabeça eu ouvi, o guarda falar ao s companheiro, para que ligasse a emergência, será que eu estaria em tão apuro assim? Talvez.

    Quando eu acordei estava em uma maca, minha visão ainda turva não me deixava ver nitidamente, não sabia o que estava acontecendo, mas no fundo eu sabia que não vinha boa coisa pela frente.
   Eu me sentia estranho, muito fraco, e muito enjoado. Quando olhei para o lado, la estava ela,
Mônica, com sua cara de poucos amigos. Era realmente um milagre ela estar ali, nunca deu a mínima. Se estava ali, seria por algo muito grave.
    Não demorou muito para que um médico aparecesse, chamou Mônica para fora do quarto e fechou a porta. Quando ela enfim entrou novamente no quarto estava com um olhar diferente. Seria preocupação? Talvez!

   Segundo eles, há uma explicação pela minha repentina queda. É conhececida como LLA, ou em outras palavras, Leucemia Linfoidi Aguda.
   Naquele momento eu fiquei paralisado, não estava nem um pouco querendo brincadeiras naquela hora, seria ela inventando isso para me punir? Talvez.
   Mas no fundo, eu não tinha dúvida, fazia mais sentido essa LLA como explicação para minha queda do que um acidental escorregão, oras eu corria muito com minha "gangue", não seria a primeira fuga em um terreno tão desnivelado como aquele do galpão.
 

- Ótimo, mais isso agora, esse moleque não passa de um estorvo! - Foi a última coisa que Mônica disse antes de sair do quarto.

  Talvez essa seja a minha chance, de partir logo, talvez seja o "Botão - de- escape" que tanto quis.
Morrer.


Memórias de um ESQUECIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora