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A noite de sono foi apaziguada. Sem sonhos, pesadelos, sem lembranças de um mal. Completamente sã e calma. Tigre é quem me despertou, seus roronares em meu torno me deram momentânea sensação de segurança. Ao lado da cama em um pequeno criado mudo, estava deitado quase morto, meu celular, estendo a mão para toca-lo, e ver as horas. A primeira vez em meses, sem vê - lo ligado. Essa distância dele me deu experiência, percebi que não precisava dele para viver, antes desse exílio dele, eu vivia por ele, pelos status, curtidas e comentários em inúmeras redes sociais. Era prazeroso ver as pessoas vidradas em meus perfis, por um momento eu era fama, ídolo ou ate mesmo um exemplo a ser seguido. No entanto com o tempo se aprende que tudo isso não leva à nada. Nada disso pode me ajudar quando precisei, apenas disseminou minha dor expondo o ocorrido a todo o público. Amigos de antes, inimigos de agora. Hoje percebo que sozinho sem essas pessoas, estou melhor do que com as suas companhias influencivas.
Com toda essa reflexão, vejo que não olhei realmente as horas, repito o toque na tela e vejo, quatro horas. Três horas antes do meu rotineiro horário para levantar. O problema era que a sonolência havia dissipado. Tigre agora dormia em sobre minhas pernas.
Zuuuuu... Zuuuuu

Escuto um vibrar, uma onda gélida passa por minha espinha. Estico novamente o braço para apanhar o celular. Em cima da tela de bloqueio números aumentavam em ordem crescente. Eram mensagens chegando, meu coração dispara, dentro de mim sentia que não era nada bom, com certeza não eram mensagens de calorosas saudações ou "ois".
A cada digito que ia aumentando, mais rápidos meus batimentos ficavam.

Quando os números cessaram o contínuo aumento. Crio coragem para abri-las, com a mão trêmula desbloqueio a tela, pensando como seria bom ter esquecido a senha. Enfim abro uma a uma...

Heloisa:
-Eae gabis, cara você nem imagina o que andam falando de você! 12:36 pm

Lucas:
-Nossa mano, que papo é esse? Isso aconteceu mesmo?
19:25 pm

Eram mais de seis mil e quinhentas mensagens, de grupos e privados. Alguns perguntando se era verdade, outros perguntado como eu pude deixar algo assim acontecer. E por pior que seja aqueles que um dia juraram lealdade e amizade pela vida toda, duvidavam de minha pessoa, insinuando que eu quis algo assim.
Uma massa fria cai em meu estômago, enjôo e tontura tomam conta de meu corpo. Não sabia o que fazer, homem de branco? Madame Anne? Quem poderia me ajudar.

- Escreva!

Uma voz sussurrou em meus ouvidos, um grande arrepio passa por mim, Tigre saltou para fora da cama e ficou encarando a minha mesa, o de estavam, meu diário, caneta bico de pena, e meu tinteiro. Estranhamente não senti medo algum, apenas sabia a partir daquele momento, o que fazer. Escrever. Levanto da cama, calço os chinelos, na ponta da cadeira pego meu casaco e visto, ascendo a luz.
Destranco a fivela e abro o diário. Por segundos encarei-o. E por fim comecei.
Querido diário.
Hoje, eles voltaram, as indagações dos perseguidores, são duvidas, repudiações e as mesmas blasfêmias de meses antes. Eu estou ja ciente de que essas mensagens foram mandadas posteriormente ao acontecido. Eles ainda insistem em dizer que eu quis isso, que eu poderia ter impedido, que eu havia gostado e que agora me faço de vítima.
Querido amigo, por que eles não entendem, se ao menos soubessem o que de fato ocorreu, talvez não falariam tais palavras...

Neste instante paro de escrever, a voz havia sussurrado mais algo em meus ouvidos.

- Eles precisam entender o que aconteceu!

De alguma maneira foi a resposta para o meu questionamento. Olhei ao entorno, mas apenas Tigre habitava o quarto alem de mim.

Volto a minha posição, mergulho a caneta na tinta e volto a escrever.

... Eu ainda não me sinto pronto para contar o que houve, é como se eu voltasse a aquele dia.
Se minha vida fosse um celular eu poderia simplesmente apagar, as memorias ruins, mas na é um.
Querido amigo, eu me pergunto, o que eu fiz para ter passado por isso, sou uma pessoa ruim? Talvez.

Fecho o diário. Fico segundos refletindo nas minhas últimas palavras, "pessoa ruim".
Olho para o relógio e vejo que são seis horas, tenho que me trocar para escola.
Havia esquecido que era segunda feira. Não sei como aparecer la. Ler essas mensagens, mesmo sendo de meses atrás, me dão mais ojeriza.

Memórias de um ESQUECIDOOnde histórias criam vida. Descubra agora