Dois

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Pierre

Não consigo dormir nada durante a noite pois não paro de pensar na Annie e de como ficou perturbada com a notícia. Desde sempre que temos uma ligação muito forte e por esse mesmo motivo, compreendo a sua angústia. Sei que preciso de ir conversar com ela, mas espero pela manhã seguinte para o fazer.

Acordo com um nó na garganta. Visto-me e vou até à cozinha para tomar o pequeno-almoço. Encontro a Nicole na cozinha a pôr a mesa. Tal como eu, parece não ter dormido nada, o que não é de estranhar. Sei que também está a passar um mau bocado com tudo o que tem estado a acontecer mas, no entanto, não diz nada para não preocupar ninguém.

Enquanto comemos, nenhum de nós diz uma palavra até que decido quebrar esse silêncio.

– Está tudo bem contigo?

– Sim... Mais ou menos. Mas neste momento não é comigo que estou preocupada, mas sim contigo e com a nossa filha. Custa-me imenso que vás, pois tenho muito medo do que te possa acontecer. Porém, tenho que ser forte pela Annie. Acho que devias falar com ela, tentar acalmá-la e dizer-lhe que tudo ficará bem. – Acho que tem razão mas, por outro lado, tenho medo de lhe estar a mentir pois, se algo me acontecer, não quero que pense que lhe menti. Mas talvez seja o melhor a fazer pois ela é apenas uma jovem de 14 anos.

– Eu falo com ela.

Levanto-me e subo as escadas. Bato à porta mas não ouço resposta. Talvez ainda esteja a dormir. Abro a porta devagar para não fazer barulho e vejo-a deitada na cama a ler um livro que lhe ofereci há dois anos no seu aniversário. Já o leu muitas vezes mas, por mais que o faça, acho que o lê sempre com gosto. Parece cansada e desanimada. Não gosto nada de a ver assim. Quando me vê, senta-se na cama e eu sento-me ao seu lado..

– Há quanto tempo é que andavam a esconder isto de mim?

– Há já algum tempo que a guerra começou, mas só ontem de manhã é que fui realmente chamado para ir. Pego na sua mão e continuo. – Não penses nisto como uma coisa má. Pensa que vou apenas defender o nosso país e que daqui a uns meses estamos todos juntos outra vez. – digo isto da forma mais descontraída que consigo. Não lhe quero mostrar que também estou preocupado com o que poderá acontecer.

– Quanto tempo?

– É impossível prever uma coisa dessas, mas acredito que seja por pouco tempo.

– E quando vai?

– Amanhã! – ela olha para mim espantada.

– Como assim amanhã? Isso quer dizer que nem vamos ter tempo para nos despedirmos? Ela suspira e encosta a sua cabeça no meu ombro.

– Eu sei que para ti deve ser difícil de compreender mas, um dia, irás perceber o quão importante é defendermos a nossa pátria. Ela apenas acena com a cabeça. Sei que provavelmente não a deixei mais descansada, mas acho que não há mais nada que possa fazer.

Levanto-me e caminho em direção à porta mas sou interrompido por mais uma questão.

– Então e o Sr. Leroy Beaumont, o pai da Ema, sabe se ele também vai?

– Não sei exatamente, mas é bem provável que sim. Saio e vou até ao jardim. Hoje não irei trabalhar. A maior parte dos trabalhadores foram também convocados. Olho em volta e consigo ver toda a minha vida, tudo o que demorei tantos anos a construir. Não tenho medo de ir para a guerra, pois sei que defender o meu país é algo de que me devo orgulhar, apenas me preocupa ter de deixar a minha filha e a minha mulher sozinhas e pior do que isso, preocupa-me quando as voltarei a ver e se as voltarei a ver.

O dia passa a correr e ao jantar parece que nada se passa. Rimos e relembramos vários momentos bons da nossa vida.

Sei que não deve ser fácil para a Nicole e para a Annie, mas também sei que estão a fazer um esforço para parecerem que estão bem, de modo a podermos aproveitar este último dia todos juntos da melhor maneira.

Acordo bem cedo pois, por volta das sete horas chegará o transporte que me levará até Paris onde apanharei o comboio até à fronteira e onde nos darão informações sobre para onde iremos.

Está um dia tranquilo e quente. Vou até à cozinha onde tomamos o nosso último pequeno-almoço juntos. Não trocamos muitas palavras e quando terminamos, caminhamos até ao jardim onde começam as despedidas. Podíamos ir até à estação de comboios e só lá nos despediríamos, mas prefiro assim, pois tenho a certeza de que estará lá uma grande confusão.

Despeço-me primeiro da Nicole que me entrega tudo o que preciso levar. Ela abraça-me e sussurra-me ao ouvido que tenha cuidado. Abraço agora a Annie. O seu abraço é bem apertado, como se me estivesse a dizer para ficar e sei que é esse o seu desejo. Entrega-me uma foto onde está ela e a Nicole. Ainda me lembro do dia em que foi tirada. Foi há cerca de três anos, quando chegámos de uma viagem que tínhamos feito até às montanhas. Já é uma foto antiga mas, provavelmente, é a mais recente que tem. Agradeço o seu gesto com mais um abraço e tal como costumo fazer, beijo-lhe a testa. Chegou a hora. Agora não posso pensar no que deixarei para trás, mas no que me espera nos próximos dias, ou talvez anos.

Chego finalmente a Paris. Estão cá mais homens do que imaginava. Homens que tal como eu deixaram a sua família para trás, que deixaram as sua mulheres com um nó no coração e crianças pequenas a quem não puderam dar uma boa explicação. Homens que não sabem quando voltarão para casa, outra vez.

Ainda tenho a foto que a Annie me deu na mão, mas guardo-a na carteira pois não quero perdê-la no meio de tanta confusão. Começam-se a formar filas para entrar no comboio. Quando finalmente entro, escolho um lugar para me sentar. Olho pela janela e vejo os outros soldados a despedirem-se dos familiares. Vêm-se abraços apertados, choros desesperados e as saudades que já se fazem sentir.

Ouço então o apito que dá início à viagem.

Querida AnnieOnde histórias criam vida. Descubra agora