Fevereiro de 1916
Annie
Tenho tido imensos pesadelos nos últimos cinco meses. A minha cabeça enche-se constantemente de imagens de homens feridos, a chorar pelas suas famílias. Homens que vivem em más condições e que perdem as suas vidas em vão. Há pessoas que não têm a mesma opinião que eu pois acham que, combater na guerra, é uma obrigação e justificam a morte de milhões de soldados como uma morte "boa", pois morrem pela sua pátria. Em relação às condições por que passam, não sei se estou longe ou perto da realidade pois não faço ideia qual o cenário de guerra. Nunca mais voltei a receber alguma carta do meu pai. Provavelmente nem recebeu a última que lhe enviei. Milhões de cartas devem ser enviadas por familiares todos os dias e nem todas chegam ao seu destino. Também há a possibilidade de algo ter acontecido, mas prefiro não pensar nessa assim.
Este Natal foi tudo muito diferente do habitual. Não houve comemorações nem grande vontade de o fazer. Foi um dia completamente normal. Fomos à missa e ficamos em casa o resto do dia, todas juntas.
Tenho gostado muito de trabalhar com as crianças. Elas são muito queridas para a mim e para a Ema e agradecem-nos constantemente por tudo o que fazemos por elas, o que é bastante recompensador. Quando olho para todas elas, lembro-me que, tal como eu, os seus pais também não estão presentes e muitos deles, não voltarão e, quando penso nisso, sei que tenho de ser forte. Muitas delas nem se apercebem do que se está a passar e, de certa forma, até é melhor assim.
Já está a anoitecer e as crianças já foram quase todas para casa. Dou uma volta pelo barracão e olho para os desenhos que estão colados na parede. Cada um tem uma história diferente, um pensamento, um desejo. Algumas crianças desenham a sua família, outras desenham os amigos e há até desenhos meus e da Ema.
Vou até à rua para ver se todas as crianças já foram para casa. Vejo a Ema e perto dela está a Chloé, uma das meninas mais novas que anda na "escola". Estranho o facto de ainda cá estar pois, normalmente, a sua mãe costuma chegar cedo. É a única mãe que, apesar de não trabalhar nas plantações, faz questão de vir buscar sempre a sua filha. As crianças cujas mães trabalham em Creteil, costumam ir todas juntas, a pé, para casa.
A Chloé, assim que me vê, corre para perto de mim e com a sua voz aguda pergunta:
– Sabes se a minha mamã vai demorar? A sua mãe trabalha num escritório em Creteil.
– A tua mãe não me disse que ia chegar mais tarde para te vir buscar, mas tenho a certeza de que não demora. – digo isto com a voz mais natural que consigo pois, obviamente, não a quero preocupar. Provavelmente o seu atraso deve-se à algum imprevisto no emprego.
– Se calhar era melhor irmos andando para casa, pois está a ficar tarde, e temos de ajudar com o jantar. Talvez seja melhor a Chloé vir connosco até a sua mãe, a Sra. Antoinette, chegar.– diz a Ema olhando para mim.
Caminhamos até casa e vamos até à cozinha. Quando lá chegamos, tanto a minha mãe como a Sra. Eloise, ficam admiradas com a presença de Chloè.
– Parece que hoje temos uma convidada especial para o jantar – diz a Sr. Eloise olhando para a menina.
– Eu não vou jantar. Só estou à espera da minha mamã – diz ela carinhosamente.
Passa algum tempo e não há sinais da mãe da Chloé.
– O jantar está pronto! – anuncia a Sr. Eloise. – Se calhar, o melhor é a Chloé jantar connosco, pois não sabemos a que horas pode chegar a sua mãe.
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Querida Annie
AdventureAnnie é uma rapariga francesa que, após o seu décimo quarto aniversário, descobre que o seu pai terá de partir para combater na I Guerra Mundial (1914-1918) ao lado da Tríplice Entente. Durante a guerra, pai e filha comunicam através de cartas, poré...