Oito

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Annie

Janeiro de 1917

Enquanto eu e a Ema lavamos a loiça do pequeno-almoço, a minha mãe vai até à rua para ir buscar o correio. Normalmente o correio não costuma ser muito e há semanas em que não chega nada. Mas hoje, não é um desses dias. Quando a minha mãe regressa à cozinha, pousa em cima da mesa quatro cartas parecidas umas com as outras. Eu já vi envelopes deste género em algum lado, mas não me consigo lembrar onde.

– Annie, querida, acho que são para ti. A minha mãe parece surpresa mas feliz ao mesmo tempo. Caminho devagar até à mesa e olho durante algum tempo para as cartas. São do meu pai. Apresso-me a abri-las e, assim que começo a ler, vejo que é de janeiro do ano passado. Há mais de um ano que não recebia cartas do meu pai. Pensei que não tinha tempo para escrever ou que estava ferido. Cheguei até a pensar o pior. Pelos vistos não era isso que se passava. Devem ser milhões de cartas a tentarem chegar ao seu destino e, apesar de já se ter passado um ano, as cartas do meu pai chegaram. Sento-me e leio-as uma a uma.

Assim que termino, estendo-as à minha mãe para que ela também as possa ler e corro para o meu quarto. A Ema segue-me, pois deve estar confusa sobre o verdadeiro motivo pelo qual eu estou a correr. Quando chego ao meu quarto, começo a revirar todas as gaveta e a Ema, com os olhos arregalados, pergunta:

– Annie, podes por favor dizer-me o que se passa? – paro o que estava a fazer e olho para ela.

– O meu pai pediu-me que lhe enviasse outra fotografia, uma vez que ele perdeu a outra que lhe dei. Ele disse que era ela que lhe dava muita da força que ele precisava e, por esse motivo, preciso de arranjar outra.

– Mas pensava que tu me tinhas dito que aquela era a única foto que tinhas.

– Pois... Não sei o que fazer. Acho que fiquei tão desesperada para ajudar o meu pai, que nem pensei no que estava a fazer.

– E então, o que vais fazer agora?

– Não sei, mas eu vou lembrar-me de alguma coisa. Levanto--me e vou para perto dela. – Numa das suas cartas, o meu pai pediu-me para te dar um recado. Ele esteve com o teu pai e disse que ele estava bem. Assim que ouve isto, os seus olhos enchem-se de lágrimas e abraça-me. Desde que o seu pai partiu, ainda não tinha tido notícias dele.

Olho em volta. Tenho que arranjar algo para enviar para o meu pai. Algo que tenha valor e para o qual ele possa olhar e lembrar-se que tem de voltar para casa. Algo que lhe dê esperança.

Durante todo o dia tento arranjar uma solução para o grande problema que tenho na minha cabeça.

Depois do jantar, vou para o meu quarto para escrever uma carta para o meu pai. Vou ter de lhe dizer que não consegui arranjar nada para lhe enviar.

" Há já muito tempo que não lhe escrevia, mas fico feliz por estar a fazê--lo novamente. Não sabia como estava, mas hoje, recebi as cartas que me escreveu ao longo de todo este tempo. Nunca pensei ter de ficar tão longe de si, do seu carinho mas, a verdade, é que tudo o que eu pensei saber sobre a vida, mudou de um momento para o outro. Porém, fico feliz por saber que tem esperança de voltar para casa e que, apesar de não estarmos presentes, somos nós que lhe damos força. Quanto à sua pergunta de como estava tudo por aqui, nem sei por onde começar. Desde que partiu que a minha vida parece não ter algum sentido, mas no último ano, tenho aprendido a acreditar muito na minha fé e a confiar que tudo correrá bem. De resto, acho que tudo tem estado mais ou menos bem por aqui. Gosto muito de tomar conta das crianças. São elas que me fazem sorrir nos dias em que estou mais em baixo e que me animam com as sua brincadeiras.

Infelizmente, não lhe conseguirei enviar a fotografia que me pediu pois aquela era a única que tínhamos. Mas arranjarei outra maneira de estarmos ligados, só me falta saber como. Mas eu hei-de conseguir.

Por favor, continue a escrever-nos, pois é uma boa maneira de sabermos se tudo está bem consigo. Continue a lutar e acredite que tudo ficará bem.

Um grande beijo,

Annie Chermont"

Coloco a carta dentro do envelope e vou-me deitar.

Há já algum tempo que não tenho pesadelos. É uma boa notícia, mas que me deixa pensativa em relação ao verdadeiro motivo pelo qual eles deixaram de existir. Talvez eu já tenha superado o facto de estar longe do meu pai, ou talvez, seja outra coisa qualquer. Apenas o meu medo persiste. Tenho medo de acordar e tenho medo de não ter forças para o fazer. Tenho medo do que possa acontecer no dia seguinte. Sei que com o tempo, tudo ficará melhor mas, por enquanto, tenho de saber como viver assim.

Acordo bastante cedo, pois quero ter a certeza de que consigo entregar a carta ao carteiro. Visto-me e vou até ao espelho para colocar o meu colar. Acabei de ter uma ideia. Chego perto da cama da Ema e toco-lhe para a acordar.

– Ema acorda! Acho que já sei o que vou enviar para o meu pai. Assim que me ouve, senta-se de imediato na cama, pronta para me ouvir e eu continuo. – Pensei que, já que foi ele que me deu, e é uma coisa com grande significado para nós, acho que o meu colar é uma excelente ideia para enviar juntamente com a carta. O que achas?

– Acho que é bem pensado. Mas corres o risco de ele não o receber e assim nenhum de vocês fica com o colar.

– Tens razão, mas pelo meu pai eu estou disposta a correr esse risco. Ela acena com a cabeça e deita-se novamente.

Abro de novo o envelope e coloco o colar lá dentro.

Vou até à cozinha, onde dou os bons dias à minha mãe e à Sra. Eloise.

– Essa carta é para o teu pai? – pergunta a minha mãe olhando para a mão que tem o envelope.

– Sim.

– E o que vais fazer em relação à foto que ele te pediu que enviasses?

– Vou enviar-lhe o colar que vocês me ofereceram no meu décimo quarto aniversário. A minha mãe vem até mim e abraça-me.

– É um ato muito bonito da tua parte, Annie. Tenho a certeza que o teu pai vai adorar.

Tomo rapidamente o pequeno-almoço e vou até ao alpendre enquanto espero pelo carteiro. Mal posso esperar por receber mais cartas do meu pai. Não sei quanto tempo mais a guerra irá durar mas, se durante todo esse tempo pudermos comunicar por cartas, já não é mau.

Assim que chega o carteiro, entrego-lhe a carta e vou para o barracão esperar pelas crianças e começar um novo dia.

tT/

Querida AnnieOnde histórias criam vida. Descubra agora