Sete

7 4 0
                                    


Annie

Agosto de 1916

Dois anos passaram desde o último dia que passei com o meu pai. Não foram anos nada fáceis de superar, cheios de sentimentos pelos quais nunca pensei estar constantemente a passar. Medo, incerteza, desânimo e muita inquietação.

Hoje é o meu décimo sexto aniversário e a última coisa que me apetece fazer é festejar.

Desde que o meu pai partiu, a minha vida parece piorar de dia para dia. Há muito tempo que não tenho notícias dele. Todos os dias tento pensar que está tudo bem com ele e que falta pouco para este pesadelo terminar. Isso ajuda-me a estar mais tranquila e a não estar tão em baixo. O meu maior desejo era poder vê-lo, estar com ele e matar todas as saudades, mas sei que não é possível.

Estou no meu quarto a acabar de me arranjar, antes de descer para tomar o pequeno-almoço. Coloco no meu pescoço o colar que os meus pais me ofereceram há exatamente dois anos. Ainda me lembro claramente daquele dia tão feliz. Mal imaginava eu os dias angustiantes que se seguiriam.

A Ema entra no quarto e corre para me dar um abraço.

– Muitos parabéns – diz-me ela. Esboça um sorriso ,porém, sei que não está feliz. Tal como eu, também tem noção do ano terrível por que passámos e sabe também que ainda falta um pouco para que tudo isto termine.

– Não precisas de fingir que estás feliz só por minha causa. – digo.

– Como assim? É o teu aniversário, é claro que estou feliz.

– Com tudo o que tem acontecido não me consegues convencer. Mas obrigado por tentares. Saio do quarto e vou então até à cozinha onde a minha mãe e a Sr. Eloise acabam de preparar o pequeno-almoço. A Ema vem atrás de mim.

Assim que me vê, a minha mãe vem até mim e ao abraçar-me diz:

– Muitos parabéns minha filha, fizemos um pequeno-almoço especial.

A Sr. Eloise também me recebe com um sorriso e dá-me os parabéns. Só me apetece gritar. Será que ninguém percebe que não podemos celebrar? Enquanto estamos aqui a comer um pequeno-almoço "especial," o meu pai está sabe-se lá onde a lutar pela sua vida e a rezar a Deus para conseguir voltar para casa. Tal como todos os outros, hoje não passa de mais um dia angustiante. Gostava de poder dizer tudo tal e qual como penso, mas não o faço. Não posso magoar a minha mãe desta maneira, pois sei que ela só está a tentar tornar este dia mais feliz, ou pelo menos é o que ela pensa.

Trocam-se pequenas conversas durante o pequeno-almoço, mas eu permaneço em silêncio e perdida nos meus pensamentos. Penso em quantos mais aniversários vou ter de passar sem o meu pai e pergunto-me se em todos eles o buraco no meu peito será sempre tão grande, ou se é ainda pior àquele que tenho hoje. Gostava de ter a resposta...

Assim que termino, levanto-me e vou até à rua. Hoje, mais do que nunca, preciso de estar sozinha. Sento-me na cadeira que está no alpendre e simplesmente olho para o horizonte. Tento imaginar o sítio onde o meu pai estará neste momento e quais serão os seus pensamentos.

Sinto que alguém se aproxima de mim pelo som dos seus passos, mas não olho para ver quem é.

– Reparei que algo de estranho se passa contigo hoje. Precisas de desabafar? – reconheço a voz da minha mãe, mas continuo sem olhar para ela.

– O que acha que se passa comigo? Acha que, lá por ser o meu aniversário, vou estar feliz e animada? Pois fique a saber que está completamente errada. O meu aniversário só me recorda que estes dois anos têm sido horríveis de suportar e que anos piores ainda estão para vir. A cada dia que passa, a esperança que tenho de voltar a ver o meu pai diminui, e isso é tudo menos reconfortante. – olho agora para ela. – Por esse motivo, a última coisa que me apetece fazer hoje é festejar. Noto na sua cara que está surpreendida e emocionada ao mesmo tempo. Talvez não devesse ter dito o que disse de uma forma tão brusca, ou talvez devia ter permanecido calada. Mas agora já está feito e não posso voltar atrás.

– Desculpa, Annie. Desculpa por não ter percebido antes pelo que estavas a passar. Tu estás certa. A nossa vida não tem corrido da melhor maneira, no entanto, temos de pegar em todas essas coisas más e pô-las para trás das costas, para assim conseguirmos encontrar as boas. Sei que sentes muitas saudades do pai. Eu também, acredita! Mas temos que ter fé de que falta pouco para tudo acabar. Tenho a certeza que o teu pai, esteja onde estiver, quer que tu estejas feliz e positiva, mesmo com tudo o que se tem passado. Não te estou a pedir que andes muito alegre, aos saltinhos e com um sorriso de orelha a orelha. Apenas te peço que enfrentes este desafio com toda a força que tiveres e com muita fé de que tudo acabará bem.

– Desculpe... Desculpe por ter sido tão brusca.

– Não faz mal. Agora vou deixar-te aqui com os teus pensamentos. Acho que te vai fazer bem, ficar um pouco sozinha. E ao dizer isto, sai.

Tenho que reconhecer que está certa.

As crianças já começam a chegar e mais um longo dia de trabalho está prestes a começar.

Olho para todas elas. Estão felizes e livres de qualquer preocupação. Não têm noção de nada do que se está a passar e sinceramente, gostava de estar como elas.

O dia vai passando, igual a todos os outros mas, à hora do almoço, a minha mãe aparece com um bolo e começa a cantar os parabéns. Todas as crianças se juntam a ela. Estou muito emocionada e acho que posso dizer que, pela primeira vez há muito tempo, essa emoção é de felicidade.

Durante a tarde eu e a Ema brincamos imenso com as crianças e até foi divertido. Não posso dizer que estou muito feliz, mas, sem dúvida, que os conselhos que a minha mãe me deu ajudaram-me a olhar para o futuro com outros olhos. Agora, em vez de apenas conseguir ver tristeza e escuridão, consigo ver esperança.

Acordei bastante cedo, no dia seguinte, pois a minha mãe tinha-me pedido para ir até Creteil para lhe comprar umas coisas.

Esta noite, dormi mais tranquilamente do que nas anteriores, no entanto, continuo a ter alguns pesadelos.

Saio de casa quando o Sol ainda está a nascer.

Caminho até Creteil, sozinha, apenas com os sons dos meus passos. Quando chego, vejo que por todo o lado circulam jornais que anunciam dois anos de guerra. Também eu compro um jornal, pois estou curiosa para saber notícias sobre a guerra. Normalmente, a minha mãe não me deixa ler os jornais que falam sobre a guerra, pois tem medo que ainda me deixem mais preocupada mas, desta vez, não me consigo conter. Sento-me num banco que encontro por perto e folheio o jornal. A maior parte das notícias são sobre todos os grande ataques que se deram durante todo o ano. Nas últimas páginas do jornal vêm os nomes de todos os soldados franceses que morreram até hoje. Começo a lê-los um a um. Não sei se é curiosidade mórbida ou se estou realmente à procura de algo. Tenho um grande nó na garganta. Os nomes estão por ordem alfabética do apelido e assim que ganho coragem, passo para a letra C. Mas não encontro nada. Acho que me saiu um grande peso de cima. Continuo a ver a lista para ver se encontro algum nome conhecido, mas nada. Por um lado, fico feliz pois não encontro nenhum nome de alguém que conheço mas, por outro, parte-me o coração ver a imensidão de nomes que aqui estão escritos. As milhares de famílias destruídas e que nunca mais se vão reunir.

Quandojá tenho tudo o que a minha mãe me pediu, volto para casa. 

Querida AnnieOnde histórias criam vida. Descubra agora