Três

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Annie

Dezembro de 1914

Já se passaram quatro meses desde que o meu pai foi para a guerra. Não sei como está ou onde está. Pensava que, por esta altura, ele já estaria de volta a casa, mas pelo que eu li nos jornais, a guerra está mais complicada do que me parecia.

Depois do meu pai ter ido embora, a minha mãe decidiu que o melhor era continuar com o negócio e, para isso, contratou várias mulheres e alguns homens para irem trabalhar para as plantações.

Muita coisa mudou. Até para a Ema. Depois do seu pai também ter ido para a guerra, a sua avó começou a deixar de conseguir pagar todos os impostos e, como consequência, ficaram sem casa. A minha mãe decidiu ajudá-las e agora elas vivem connosco. A Sra. Eloise ajuda a minha mãe com as tarefas de casa, como as refeições.

Muitas mulheres tiveram que procurar emprego depois dos seus maridos partirem e, por esse motivo, não sabiam onde deixar as crianças. Foi então que eu e a Ema nos voluntariámos para tomar conta delas. A minha mãe transformou o barracão que o meu pai utilizava para arrumos de materiais, numa pequena escola com algumas mesas e alguns livros meus de quando era pequena. Agora, de manhã, algumas mães trazem os seus filhos até ao barracão e deixam-nas até virem do trabalho. A maior parte das mães trabalha nas plantações e as outras trabalham em Creteil. Todos os dias tomamos conta de cerca de 45 crianças entre os 2 e os 7 anos.

Acabamos de tomar o pequeno-almoço e vamos a correr até ao barracão pois já devem estar a chegar algumas crianças.

Quando chegamos, vemos que ainda não chegou ninguém mas, uns minutos depois, chega a Sra. Daphné com a sua filha Ariel.

– Bom dia menina Annie e menina Ema.

– Bom dia Sra. Daphné. Respondo. A Ema dá apenas um aceno de cabeça para a cumprimentar.

A Sra. Daphné trabalha nas plantações e assim que deixa a Ariel, é para lá que segue.

Entretanto chegam todas as crianças e é então que começa mais um dia de trabalho. Durante o dia fazemos alguns jogos, leio histórias e desenhamos. Também estou a tentar ensinar aos mais velhos a ler e a escrever pois, como são de famílias mais pobres, nunca tiveram a possibilidade de ir à escola.

À hora do almoço, distribuímos um prato de sopa por todas as crianças. Normalmente formamos sempre um círculo e comemos todos juntos. Há sempre imensas conversas e gargalhadas. No fim da sopa, chega a Sra. Eloise com um grande tabuleiro cheio de biscoitos para as crianças. Elas, sem se levantarem, começam a festejar e a bater palmas. Por vezes, a Sra. Eloise prepara-lhes estes miminhos para as deixar felizes. Ela distribui uma bolacha a cada criança e todas elas agradecem o seu gesto. Quando acaba de as servir, vem até mim e sussurra:

– Venha comigo até casa. A sua mãe está à sua espera.

Digo que sim com a cabeça. Vou ao encontro da Ema e peço-

-lhe que tome conta das crianças por um pouquinho.

Quando chego a casa vejo a minha mãe, em pé e com o jornal nas mãos. Uma vez por semana o carteiro trás o jornal em que vêm todas as novidades da guerra, incluindo a lista dos que faleceram. O meu corpo estremece sempre que vejo essa lista. Tenho medo que seja isso que me queira mostrar.

Ela olha para mim e estende-me uma carta.

– Chegou isto hoje de manhã para ti. Olho para ela com admiração. Nunca tinha recebido um carta antes. A minha mãe parece também admirada.

Abro a carta com cuidado e assim que começo a ler, o meu coração parece que para de bater.

"Querida Annie,

Querida AnnieOnde histórias criam vida. Descubra agora