Annie
Junho de 1917
Tenho lido imensos jornais ultimamente. Todos eles relatam como a entrada dos Estados Unidos da América na guerra foi importante e como poderá ser decisiva. Dizem que a guerra mudou de rumo e que os alemães estão em desvantagem. Eu não percebo muito dessas coisas, mas se significa que a guerra acabará em breve, por mim são boas notícias.
Pensava que iria receber cartas do meu pai mais frequentemente, que teria sempre notícias suas, mas também tenho que compreender que ele não deve ter muito tempo para o fazer, e o facto de já termos conseguido trocar cartas tantas vezes, já foi uma grande sorte.
É difícil de acreditar que, em breve, fará três anos de guerra. Ainda me lembro do dia em que recebi a notícia da partida do
meu pai e de como pensava que ele apenas estaria alguns meses fora. Na altura, achava imenso tempo e só a ideia dava--me pavor, mas agora, tudo o que queria era que me dissessem que só faltavam alguns meses para o meu pai voltar, para a minha família estar novamente reunida.
Hoje, é mais um domingo tranquilo e implacável e, tal como todos os outros, vou à missa com a minha mãe.
Saímos de casa de manhã e caminhamos calmamente até Creteil. A Ema também nos costuma acompanhar, mas hoje, sou só eu e a minha mãe. Vamos caladas durante quase todo o percurso, pois a verdade é que também não há muito para se dizer. Quando chegamos perto da igreja, aquele silêncio que predominou durante todo o caminho é rapidamente trocado por conversas e risadas entre todas as pessoas que aqui estão e que, tal como nós, vieram à missa. Antes do meu pai ter partido, a minha mãe não se dava com praticamente ninguém, pois só saía da fazenda para ir ao mercado e locais do género. No entanto, desde que tomou conta do negócio do meu pai, as pessoas começaram a vê-la com olhos diferentes. A minha mãe acolheu muita gente, precisamente, no momento, em que mais precisavam e isso fez dela uma espécie de heroína.
Em Creteil as pessoas admiram-na e é por isso que, assim que chegamos, muita gente se aproxima para a cumprimentar.
Assim que chega a hora, toda a gente entra para a igreja, de forma ordenada e silenciosa.
Não costumava vir à missa mas há cerca de dois anos, tornou-se rotina estar aqui presente aos domingos.
Sempre que posso rezo pelo meu pai. Rezo por todas as famílias que lutam todos os dias com a saudade e com a esperança. Peço a Deus saúde para todas elas e um longo futuro.
Assim que a missa termina, é hora de voltar para casa, mas primeiro, a minha mãe despede-se ainda de algumas pessoas. Enquanto espero, sento-me num banco de rua que está ao lado da igreja. Ao meu lado senta-se uma senhora já com alguma idade.
– É a filha da Sra. Natalie, não é? – tem uma voz doce e um sorriso amável.
– Sou sim. – digo, esboçando também um pequeno sorriso. –Como é que sabe?
– Tem o seu sorriso e esses olhinhos azuis são tal e qual os dela. Sou a Laiane.
– Sou a Annie.
– Prazer em conhecê-la menina Annie. Ouvi dizer que era você que tomava conta de algumas crianças de Creteil. É um ato muito bonito da sua parte.
– Eu gosto de poder ajudar os outros. Assim é, também, uma boa forma de me distrair e não pensar... – dou um pequeno suspiro e continuo. – A não pensar na guerra.
– Deve ser muito difícil para si lidar com a situação de estar longe do seu pai.
– É verdade! Apesar de trocarmos algumas cartas, a saudade e o receio estão constantemente presentes. A Sra. Laiane não tem nenhum familiar na guerra? – e com esta pergunta, o seu sorriso é substituído por uma expressão tristonha.
– O meu neto. Fez 17 anos no ano passado e, assim que conseguiu, voluntariou-se para combater.
– E já teve alguma notícia dele?
– Ele enviou uma carta para os pais assim que chegou, mas desde aí que nada mais soubemos dele. O meu rico menino! Espero que Deus o proteja.
– Tenho a certeza que tudo correrá bem. O importante é termos fé – digo.
– Eu sei que sim. Um dia vou fazer-lhe uma visita e levo um bolo para as crianças.
– Fico à sua espera.
– Os seus pais devem ter muito orgulho na maravilhosa filha que têm. Nunca deixe de ser como é. Ajude sempre os outros e sobretudo, seja feliz. Agora tenho de me ir embora, pois o almoço não se faz sozinho.
– Muito obrigada por esta conversa. Foi um prazer enorme conhecê-la.
Ambas nos levantamos, mas caminhamos para direções opostas.
Vou ter com a minha mãe, que já está pronta para ir embora.
Chegamos a casa perto da hora do almoço e, por esse motivo, a minha mãe aproveita para ajudar a Sra. Eloise a prepará-lo.
Vou até ao quarto, onde encontro a Ema a arrumar alguma da sua roupa.
– Bom dia – diz ela sem tirar os olhos do que estava a fazer.
– Bom dia – respondo. Há uns dias que um assunto me tem andado a dar voltas à cabeça e acho que a Ema me pode ajudar. Só não sei bem como abordar o assunto. Mas mesmo assim, tento. – Precisava que me ajudasses.
– Claro. O que é? – diz-me ela, sentando-se na cama preparada para me ouvir.
– Eu gostava de ir para a Universidade. Ela fica com os olhos arregalados, assim que me ouve dizer estas palavras mas, antes que diga alguma coisa, continuo. – Ultimamente tenho lido bastante e estudado muito. Faltam dois meses para fazer 17 anos e acho que já está na altura de começar a pensar no meu futuro. Assim que paro de falar, ela continua sem dizer nada, até que finalmente parece estar pronta para falar.
– É uma grande decisão, não haja dúvidas. Mas tu sabes o quão difícil é uma mulher conseguir entrar para a Universidade.
– Sei que não é fácil, mas também sei que não é impossível.
– E a tua mãe? Vais partir e deixá-la assim sem mais nem menos?
– É claro que não. Eu ainda preciso de pensar. Tu podias vir comigo. Assim que digo isto, ela começa-se a rir. – Qual é a piada? – pergunto.
– Annie, eu adoro-te, mas tu sabes perfeitamente que eu mal sei ler e escrever. O que é que eu ia fazer para a Universidade?
– Tens razão, mas eu podia ensinar-te. Pela sua cara, parece ter gostado da ideia.
Vou buscar a tinta e um papel e as duas juntas, passamos horas a escrever. Muitas das coisas ela já sabia, coisas básicas como as letras, os números e até mesmo escrever e ler algumas palavras pois, ao longo dos últimos anos, eu já lhe tinha ensinado umas coisinhas.
Depois do almoço, voltamos para o quarto para mais umas aulinhas. Combinamos que, a partir daquele dia, todas as noites antes de dormir, estudaríamos juntas durante algumas horas.
– Annie, agradeço-te por estares a fazer isto por mim.
– De nada! Sabes que por ti eu faria o que fosse preciso para te ajudar a ser feliz – digo. Ela abraça-me.
Passamos o resto do dia de domingo de volta dos livros e a minha sorte é que ela aprende depressa.
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Querida Annie
AventuraAnnie é uma rapariga francesa que, após o seu décimo quarto aniversário, descobre que o seu pai terá de partir para combater na I Guerra Mundial (1914-1918) ao lado da Tríplice Entente. Durante a guerra, pai e filha comunicam através de cartas, poré...