Nove

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Pierre

Abril de 1917

A cada dia que passa, sei que estou mais perto do dia em que voltarei para casa, para perto da minha família. E agora, após permanecerem numa posição de neutralidade, por mais de dois anos, os Estados Unidos declaram guerra contra a Alemanha e lutam ao lado da Tríplice Entente. Esta é uma notícia que me leva a acreditar que tudo correrá melhor daqui para a frente e que a hipótese da Entente vencer a guerra aumentou. E não fui apenas eu a ter este ponto de vista, pois milhares de soldados acreditam agora que a vitória é possível. Mas até lá, é preciso continuar a lutar pela nossa vida.

Aproveito agora que tudo está mais ou menos calmo, para escrever à minha filha.

"Querida Annie,

Fico feliz por saber que, finalmente, recebeste todas as minhas cartas. Sabia que a probabilidade de as receberes era pequena, mas o importante é que chegaram ao seu destino. Ainda bem que tudo tem melhorado por aí. Como já deves ter percebido, o tempo só ajuda a aumentar a saudade, mas as cartas que trocamos têm ajudado bastante.

Queria agradecer-te por me teres confiado o teu colar, pois sei que é algo muito importante para ti. Tenho a certeza que me protegerá e me dará muita força. Prometo que o guardarei bem e que te o entregarei quando voltar para casa, o que acredito e espero que não seja daqui a muito tempo. "

Enquanto escrevo a carta, começo a ouvir soldados a gritar na trincheira, onde estou. Há dois dias que estou em trincheiras da retaguarda que costumam ser mais tranquilas mas, neste momento, algo diferente está a acontecer. Mais uma tentativa dos alemães tentando conquistar as nossas trincheiras.

Todos começamos a disparar, mas é difícil saber para que lado o fazer, pois eles vêm de todos os lados. Milhares de soldados alemães atravessam a terra de ninguém, correndo em zig-zag para evitarem serem atingidos mas, mesmo assim, muitos deles ficam pelo caminho. Porém, alguns conseguem invadir as nossas trincheiras e matar muitos dos nossos soldados. Coloco a carta, ainda por acabar, no meu bolso e meio protegido por sacos de areia, disparo para todos os lados, na esperança de evitar que mais alemães cheguem até às nossas trincheiras. A cada disparo, rezo para que não atinja nenhum órgão vital, mas muitos não consigo evitar. Começo a correr ao longo da trincheira pois preciso de mais armas. Corro o mais rápido que consigo dando encontrões a muitos soldados e evitando pisar os corpos caídos no chão. Tento ir o mais rápido que consigo, mas algo me impede e eu caio para o chão. Uma dor muito aguda percorre toda a minha perna direita e, mesmo antes de olhar para ela, percebo o que está a acontecer. Fui atingido por uma bala um pouco acima do joelho. Não me consigo levantar, não é só pela dor que se instalou em toda a minha perna, mas também por toda a confusão que se faz sentir. Por todo o lado se vêm soldados desesperados a correr de um lado para o outro. Finalmente consigo levantar-me e, mesmo sem conseguir apoiar a perna no chão, tento alcançar uma espingarda ou qualquer outro tipo de arma.

Vejo um soldado morto no chão, bem à minha frente. Eu conhecia-o. Vivia em Creteil com o seu filho. A sua mulher faleceu há cerca de dois anos com uma doença rara. Pergunto-me quem tomará agora conta daquele pobre menino que agora ficou órfão. Reparo que tem debaixo do seu braço uma arma. Não o quero fazer, mas acho que não tenho mais opções. Pego na arma e disparo para onde consigo. Sinto que, novamente, algo me atinge, mas desta vez, na barriga. Coloco as mão sobre a ferida que imediatamente ficam cheias de sangue. Sento-me no chão, com as costas apoiadas na parte lateral da trincheira, e tiro de dentro da camisola o amuleto que Annie me deu. Olho para ele e sinto as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. Começo a sentir arrepios de frio e sei que ficarei por aqui. Gostava que pelo menos a Annie soubesse que lamento deixá-la assim. Queria poder dizer-lhe o quanto a amo e quanto desejaria dar-lhe um último abraço e acima de tudo, poder agradecer-lhe. Sinto os meus olhos a fecharem-se e, com o colar encostado ao meu peito, deixo-me ir.

Querida AnnieOnde histórias criam vida. Descubra agora