Capítulo Um

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∞ ∞ ∞

Tenho vontade de chorar, ao jogarem farinha, leite e ovo em mim. Eles riem, riem de mim. Tento empurra-los, para conseguir sair do círculo que fizeram ao meu redor, mas é em vão e sou eu quem acaba caindo no chão.

Desisto de segurar o choro e deixo as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Normalmente, eles sempre fazem isso. Eu tento ser forte e não chorar, mas... Não consigo. Nunca consegui. É tão ruim saber que eu sou fraca e que eu nunca consigo e nunca vou conseguir.

Eles não sabem quantas panquecas estão aqui, no meu corpo, sendo desperdiçadas? Não sabem que há pessoas passando fome? Nunca consegui reagir à isso, nem contei a ninguém, eu tenho medo, medo do que pode acontecer comigo.

"Mas o quê eu fiz à eles?", me perguntava. Cada dia era uma humilhação diferente.

- Implore pra sair! Implore, sua imunda!

Sua imunda...

- Sua escrota mal amada!

Sua escrota mal amada...

É isso que sou? Um brinquedo nas mãos deles? Eles simplesmente me vêem assim? Como uma escrota mal amada?

- Implore!

- Por favor - digo, já não aguentando mais. - Eu imploro, deixe-me ir para casa.

- Pode passar, vadia - um garoto loiro diz, abrindo passagem no meio da roda, gargalhando.

Levanto do chão e começo a correr, desesperada para chegar em casa, tomar um banho e vestir roupas limpas.

Corro até chegar em casa. Ela é meio longe da maldita escola particular onde estudo. Minha mãe e eu não temos condições financeiras, mas consegui uma bolsa me esforçando e estudando... estudei noite e dia, achando que essa bolsa seria uma bênção, mas foi uma maldição: sou torturada dia após dia, só porque sou bolsista. Tentei ignorar no começo, mas nunca consegui. Talvez, se eu tivesse dito desde quando aconteceu pela primeira vez, isso já teria acabado - e mal teria começado. Mas sou fraca e medrosa. Tenho medo de contar à alguém. E, querendo ou não, se eu conseguir me formar nesse colégio meu currículo será bem mais valorizado, até porque aquela era considerada a melhor escola dessa minúscula e entediante cidade.

Tomo um banho para tirar "as panquecas" que me jogaram. Logo lavo minha roupa, e a ponho para secar. Deito em minha cama e as lágrimas começam a rolar pelo meu rosto, novamente. Fico olhando ao teto, pensando em como seria, se eu fosse diferente. Se eu fosse perfeita. Mas, afinal, existem pessoas perfeitas em algum lugar da Terra? Se existir, será que vive aqui em Canadá, como eu? Ou em Paris, talvez? Ou essa pessoa só existe em filmes ou em contos de fadas?

Talvez, só talvez, realmente exista. Alguém que seja ingênua; porém não trouxa. Alguém que saiba cantar; mas também que saiba compor. Alguém que saiba escrever; mas também que saiba desenhar. Alguém que coma coisas saudáveis e que não julgue ninguém. Alguém que só tire nota 10 e que fale vários idiomas. Alguém que seja criativo e sonhe alto, mas que tenha o pé no chão.

Porém, nem mesmo as princesas da Disney são perfeitas. As pessoas não são 100% boas, nem 100% más. Todo mundo têm dois lados. Um bom e um ruim. Nem que a pessoa má só seja boa com uma única pessoa e nem que a pessoa boa tenha xingado uma única pessoa. Todos erramos. Então, existe alguém perfeito? Era o que eu gostaria de perguntar para as pessoas ricas e mimadas de minha escola. Eles não são perfeitos. A maioria deles são bonitos e ricos, apenas isso. Não têm nada de especial. Tipo, fala sério, eles já tiveram espinha na cara pelo menos uma vez na adolescência!

Não os entendo. Talvez eles se sintam superiores ao inferiorizar pessoas como eu, pessoas que não se encaixam no padrão. Mas de que adianta usar salto e ficar com calo? De que adianta passar maquiagem e parecer um palhaço?

Meus pensamentos são interrompidos por um barulho, avisando que minha mãe acabara de chegar em casa.

- Filha? - minha mãe diz, lá da sala.

Corro me trancar no banheiro, para ela não me ver chorar. Lavo o rosto e limpo meu nariz.

- Filha? Já chegou? - ela diz, no corredor.

- Sim, mãe estou no banheiro.

- Trouxe sua comida preferida- ela diz. - E tenho uma notícia para contar!

- Estou indo, mamãe.

Espero que a minha cara de choro tenha passado.

Ao sair do banheiro, corro para abraça-la. Seu abraço é um dos meus confortos.

- Como foi o seu dia na escola?

- Foi bom.

Uma coisa que eu aprendi sobre mentir, é que quanto mais você mente, mais fácil fica para mentir outra vez. Talvez eu pareça alguém mau caráter falando assim, mas é inevitável.

- Me falou que tinha algo para contar- digo, me esquivando do assunto de escola.

- Tenho sim. Como eu vou te contar isso?

- Isso o quê?

- Não é nada demais... É só que...

Ela respira fundo, antes de continuar:

- Nunca te contei, mas faz meio que parte do meu passado.

- Mãe... - digo, começando a ficar preocupada.

- Eu tenho uma irmã. Mais velha. Só que...

- E você nunca me contou dela? - digo, completamente surpresa.

-Não. É complicado. Aconteceram algumas coisas... E ela resolveu aparecer assim, do nada. Seu nome é Meredith. Ela mora em Quebec e é empresária, conversei com ela hoje a tarde... Ela está vindo nos ver, chegará amanhã. Perdão por só contar isso agora.

- Não tem problema, mamãe. Acho isso fantástico: você ter uma irmã e tudo mais. E outra, você está me contando isso agora - digo, dando um sorriso.

- Sabia que você iria me compreender, ah você é tão compreensiva. Você pode faltar amanhã? É um dia importante pra mim.

Faltar amanhã? Isso realmente não vai ser um problema.

Faltar amanhã? Isso realmente não vai ser um problema

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Minha Fada Madrinha [PAUSADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora