Capítulo 1

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São cinco anos de faculdade, cinco anos na Coreia pela bolsa de estudos que não custeava quase nada. Num geral eu dividi -por um ano- um apartamento na república com mais duas mulheres de outros países, mas consegui um emprego de meio período um pouco mais longe dali e decidi que era um bom momento para deixar para trás a russa que ouve música alta e a estadunidense que ronca.
O bairro novo em que me instalei era muito bonito, mas era muito empresarial, então tinha pouquíssimos apartamentos para alugar. O que eu consegui era um dos melhores da região e o preço foi muito bom porque uns meses atrás alguém tinha sido assassinado ali.
Usei o argumento com o proprietário e ainda falei que não precisava remobiliar, só tirar o carpete sujo de sangue seco, aí o preço caiu ainda mais. Eu definitivamente consigo pagar o apartamento com um emprego de meio período. Fácil, fácil.
E hoje mesmo eu me mudaria para o apartamento novo. Por alguma razão boba e infantil eu estava ansiosa para chegar no prédio com minhas duas malas, uma mochila nas costas e uma caixa de madeira com trecos pessoais. Pegando o ônibus super lotado com um sorriso de orelha a orelha, eu devia parecer uma completa imbecil. O pior é que pensava nisso e começava a rir.
Desci na parada de ônibus, que era numa avenida principal, e caminhei um pouco, dois quarteirões precisamente, até chegar ao prédio em que passaria o resto da minha vida na Coreia. Quatro anos num apartamento do sexto andar de um bom prédio.
Dei meu nome ao porteiro que me olhou de cima a baixo, provavelmente estranhando minha falta de bom gosto.
Me atrapalhei para subir as escadas na entrada do prédio e a caixa de madeira quase cai no chão. Se não fosse o moço educado que a segurou pra mim eu talvez tivesse que catar as coisinhas do chão.
- Obrigada - agradeci formalmente e subi os olhos - *Nossa* - falei em português, surpresa pela beleza daquela criatura tão delícia.
- Quer ajuda?
- Não precisa, eu-
- Eu faço questão. - ele colocou um sorriso enorme nos lábios e como eu diria "não"?
Entramos juntos no elevador.
- Hoseok! Segura pra mim! - o moço comigo segura a porta e eu me assusto um pouco com o outro que invade o pequeno espaço do elevador.
Ele coloca as mãos nos joelhos e respira pesado, recuperando o fôlego.
- Aish - ele fala e o moço que me ajudou, que agora sei que se chama Hoseok, o cutuca com o cotovelo e o rapaz percebe que eu também estava lá.
- Desculpa - ele murmura com um sorriso envergonhado, as covinhas deixavam ele incrivelmente fofo. Ele se curva levemente e repete - Desculpa, desculpa.
Cubro minha boca quando começo a rir.
- Tudo bem - me engasgo numa risada.
- Qual andar? - Hoseok pergunta.
- Sexto.
Os dois se olham e voltam a olhar pra mim.
- Sexto? - Hoseok pergunta e eu confirmo com a cabeça. - A gente também.
O outro moço se incomoda por que ainda estou com as duas malas de rodinhas e toma as duas das minhas mãos.
- Pode deixar, eu levo isso.
Eu sorrio fácil pra ele, meio sem querer.
A porta abriu e andamos pelo corredor até chegarmos ao 210.
- É aqui. - digitei a senha no teclado e a porta abriu. Eu comecei a rir de empolgação e bati palmas. - Muito obrigada - me virei para eles e agradeci.
- Tudo bem. Pelo visto a gente mora no mesmo andar. - Hoseok diz. - Meu nome é Shin Hoseok. - Aperto a mão dele.
-  Jagiya. - falo meu nome olhando para o moço das covinhas. Eu queria muito que sorrisse pra mim outra vez, mas quando ele pegou na minha mão parecia mais preocupado com o que tinha dentro do apartamento.
- Lee Jooheon. - ele balança rápido nossas mãos - Mas te avisaram? Que uma pessoa... sabe?
- Que assasinaram uma pessoa aqui?
- Aaarg - ele faz que se arrepiou e pisou forte no chão. Eu queria vê-lo sorrir, mas isso era bem fofo também.
- Vocês moram nesse andar também? - Pergunto a Jooheon.
- Ah, sim. A gente mora aqui. - ele aponta para a porta exatamente do lado.
- Vai ser ótimo ser vizinha de vocês dois.
- Ah - Era Hoseok falando - Tem mais cinco morando com a gente.
- Nossa, não é pequeno pra tanta gente?
- A gente já se acostumou. - Jooheoh fala puxando Hoseok pelo braço. - Se acontecer qualquer coisa estranha aí, pode gritar que a gente vem.
- Coisa estranha? Tipo as luzes piscando?
Ele fica com aquela cara outra vez.
- É, exatamente.
Eu rio outra vez e vejo o sorriso voltar aos lábios dele. Abrem a porta do apartamento deles, mas antes Hoseok olha pra mim e sorri, parece que ele acompanhou meus olhos até a bunda do Jooheon. Fingi que olhei inocentemente e sorri. A porta fechou e eu suspirei aliviada. Nossa, eu bem que podia deixar ainda mais óbvio meu abismo pela criatura.
Entro no apartamento e distribuo as pouquissimas coisas pelo apartamento. Sorte que ele já estava mobiliado, por que se não eu provavelmente ia dormir no chão. Tomei um banho e troquei de roupa. Depois lembrei que não tinha comida nenhuma (óbvio que não) e coloquei um casaco para sair e comprar alguma coisa.
No mesmo instante em que saio, a porta do lado abre também, mas dessa vez são dois caras que não conheço.
- Boa noite! Você é a vizinha nova? - Ele diz todo agitado. - Como a gente vai se ver muito daqui pra frente, devemos falar informalmente? - então ele começa outra vez: - Oi, vizinha nova.
Eu sorrio e respondo também informalmente:
- Oi, vizinho.
- Ah - Ele apontou pra mim e falou com o outro - Ela aceitou, ouviu? - Dessa vez se volta para mim - Minhyuk, mas pode me chamar de Minhyukie ou "oppa".
- Minhyuk, né? - confirmei e ele murmurou um "eu preferia oppa, mas tá tudo bem".
- Eu sou Kihyun. - Esse ainda fala formalmente, então eu me apresento do mesmo jeito.
- Jagiya, prazer.
Nos despedimos e vou ao supermercado atrás de suprimentos. No final, eu encho o carrinho de coisas que provavelmente não vou conseguir carregar sozinha.
- Aish - murmuro sem perceber. Levo o carrinho até o caixa e passo as compras no cartão.
Seguro todas as sacolas e respiro fundo antes de levantar o peso e MEU DEUS, COMO ESSA MERDA PESA! Caminhei até um poste, coloquei as coisas no chão e estiquei as costas. Tudo por que eu não quis pagar a maldita taxa de entrega.
Me abaixo outra vez até que escuto uma voz familiar.
- Ei, quer ajuda?
- Anh?
Era Jooheon. Ele mal esperou minha resposta e pegou as sacolas mais pesadas. Eu peguei as outras e nós começamos a andar.
- Você é estrangeira, né?
- Uhum. Sou brasileira.
- Seu coreano é muito bom.
Eu sorrio bem boba.
- O seu que é. - Falei sem perceber e nós dois começamos a rir.
- Você não tem medo do apartamento?
- Você é tão fofo! - ai, eu fiz de novo - *Caralho* Não quis dizer isso, desculpa. - ri um pouco de vergonha e voltei a falar como se nada tivesse acontecido.
Ele continua me olhando com aqueles olhos tão intensos que parece que vou me perder lá dentro.
- Acho que eu tenho mais medo de gente que de fantasmas.
- Aah, entendo. - ele olha com interesse uma máquina no meio da rua, em frente a uma lojinha de conveniências, e depois caminha até ela. Então coloca o dinheiro dentro dela e pergunta o que eu quero.
- Eu- Erh... me dá um tempo pra pensar? - eu fico analisando as coisas lá dentro.
- Rápido. - Ele me apressa rindo.
Num geral, poucas das bebidas coreanas me agradam, então eu pedi a que parecia menos azeda, uma coisa que tinha morango no meio.
Ele pega as duas latinhas e me oferece uma, mas vê que eu mal consigo levantar os braços por causa do peso das sacolas.
- Eu não consigo beber e andar. - Ele diz e senta no banco ao lado da máquina. - Vem - ele chama e bate do lado dele, no banco de madeira.
Sento desajeitada e deixo as compras entre nós. Agora sim eu pego a latinha, mas quando abro me machuco e o sangue começa a escorrer.
- Caral- - me interrompi antes de terminar o palavrão.
- Nossa - ele tenta pegar meu dedo e eu o afasto dele.
- Tá tudo bem, foi só um corte. - coloco o dedo na boca torcendo pro sangue coagular logo.
Ele tira meu dedo da minha boca e o leva a boca dele. A minha visão de um Jooheon fofo se esvai completamente, desce pelo ralo, vai embora, acabou. O meu dedo na boca dele, a mão dele segurando a minha, o olhar dele preso no meu...
- Pronto. - Ele já tinha tirado meu dedo, mas a mão continuava nas minhas, os olhos nos meus. - Quer mais?
- Anh? Se eu quero..? - ele aponta para a latinha. Eu não tinha tomado nenhum gole.
Ele me solta e eu bebo o conteúdo da lata de um jeito bem desesperado, pra não dizer afobado. Eu estava altamente excitada e não sabia se ele tinha feito de propósito.
- Jagiya - Ele chama e pergunta informalmente: - O que é "caralho"?
Eu engasgo e começo a tossir.
- Então - massageio meu peito tentando me recompor - é um palavrão em português.
- E o que quer dizer?
- *Puta que pariu* você quer saber muito - eu bebo mais do lancezin de morango que, hmm, era bem gostozinho e descia esquentando. Pera, vamos ler a embalagem. - Isso tem álcool?
- Tem sim, mas o que é "pulta que parú"?
- A gente acabou de se conhecer, sabe? E você já quer saber todos palavrões do meu país. - eu balancei a latinha e senti o restinho de suquinho de morango envenenado com álcool que eu acabei de ingerir. - Eu sou bem fraca com álcool, então se eu disser alguma merd- coisa errada, me desculpa.
Ele ri todo feliz, a aparente inocência dele tinha voltado, mas agora ele não me enganava.
Um safado é um safado em qualquer canto do mundo e eu gostava de pensar que ele era como eu, mas na falta de certeza era melhor conhecer primeiro.
- Vamos?
A gente voltou ao prédio e quando estávamos no elevador, Hoseok chamou do lado de fora.
- Jooheon! Segura pra mim!
Ele fingiu que não ouviu e apertou com mais pressa o botão para fechar as portas, mas Hoseok conseguiu chegar a tempo e ficou entre nós dois.
- Oi, Jagiya. - O que era aquilo? Por que todo mundo de repente começou a falar comigo informalmente.
- Olá - Respondi formalmente.
- Pode falar comigo informalment-
- Ooi - Estiquei a palavra um pouco mais que o necessário. Rápido, eu tinha que chegar em casa antes que o álcool tomasse conta do meu ser.
Hoseok pega as sacolas da minha mão e a tensão nos meus braços se alivia. Observo os números do elevador subirem, ou descerem, tão engraçadinhos eles, os números.
- * Droga*
- O que é...? - Jooheon faz shh e avisa um "agora não" para Hoseok.
Eu sabia que Jooheon estava rindo muito de mim por dentro. Isso ou era só minha paranoia de bêbada falando mais alto.
A porta do elevador se abre outra vez e eu ando até a porta do apartamento. Caralho. Qual. Era. A. Senha.
Aniversário, aniversário, com certeza era o aniversário. A porta abriu e eu gargalhei de felicidade.
- Viu? HAHAHAHA - eu suspiro triste e entro no apartamento.
Os meninos me seguem incertos e colocam as coisas em cima da mesa do balcão.
- Guardo isso? - Jooheon pergunta e eu só murmuro um uhum. Fico em pé no meio da sala enquanto os meninos guardam as coisas que estragam se ficarem fora da geladeira.
Depois Hoseok e Jooheon me sentam no sofá e se despedem, mas Jooheon volta rápido enquanto Hoseok está na porta esperando por ele.
- Você vai me falar depois, né? - Ele pega na minha mão. - Dos palavrões.
- Falo - a conversa podia ter acabado aí, mas minha boca abriu outra vez - Tem várias coisas que eu posso te ensinar - fecho meus olhos e sorrio. Então eu fanzo o cenho e balanço a cabeça em negação - Não, eu não disse isso.
- Disse sim. - ele sorri - E eu vou cobrar. - e vai embora.
Eu fico bêbada, sozinha e bem idiota no meu sofá pensando se não ouvi coisas.

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