Prólogo

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Oito anos atrás

Uma luz branca rasga toda a sala com raios claros e luminosos, ofuscando-me por alguns segundos. Assim que entro, imediatamente me pedem para sentar. Não gosto de nada sobre isso. Na verdade, não entendo por que estou aqui, por que me trouxeram para este lugar, longe de mamãe após tanto tempo sem vê-la.

Estou em choque. Meus braços caem soltos e frouxos nos lados de meu corpo, até que decido que é mais civilizado pousar minhas mãos sobre as coxas enquanto estou sentada na frente daquela pessoa. Não sei quem é e nem quero olhar para ele.

Não consigo.

A minha distração me engana por alguns segundos, até que ouço novamente a pergunta:

- Qual é o seu nome?

- Meu nome é Kylie Johnson - respondo, reunindo coragem suficiente para olhá-lo.

Finalmente entendo quem ele é.

Claro, estando ali, só podia ser o médico.

- Tenho 15 anos - continuo mesmo sem ele pedir. Só quero que vejam que estou bem, que sou uma pessoa normal e assim me liberem. - Tenho uma mãe e minha irmã... Ela é linda. Parece muito com mamãe.

O rosto de minha irmã caçula vem como um vago flash de lembrança em minha mente. Subitamente sinto vontade de chorar, porque não me lembro realmente do rosto dela. Tudo o que vejo é uma névoa que me deixa confusa e desorientada, como se, mesmo estando ciente de que tenho família, simplesmente não consigo forçar minha cabeça a lembrar algo que não vejo direito há muito tempo.

- Conte-me mais sobre sua família. Como trataram você quando a reencontraram?

Meu rosto se contorce em angústia quando ouço a pergunta, meu peito se dilacera em mil pedaços.

- Mamãe perdeu a cabeça quando descobriu tudo o que aconteceu. Ela se tornou violenta. Nunca a vi ficar assim, tão... destrutiva. Acho que ela ainda gosta de mim. - Minhas sobrancelhas se unem num movimento de aperto. - Eu não sei. Ela chorou quando me viu, então acho que ainda tem sentimentos por mim. A raiva deixou-a trancafiada no calabouço mental. Não a reconheço, mas sei que é porque está sofrendo.

- E sua irmã?

Forço-me a sorrir. Acho que é o que as pessoas normais fazem quando ouvem o nome de alguém querido.

- Ela é legal. Quero dizer, ainda é tão pequena e não convivemos por tempo suficiente para sabermos a cor preferida uma da outra, ou a comida preferida... Essas coisas que irmãs supostamente deveriam saber. Eu a amo - digo e o que sinto me destrói de dentro para fora. Amor é um sentimento com o qual não consigo lidar, porque os danos em mim me consumem a cada segundo. Tento respirar suavemente, ajeitando minha posição na cadeira. - Agora mesmo, ela precisa da minha ajuda.

Não me disseram o que fizeram com minha irmã. Mas ela está sozinha, consigo sentir isso. É um elo fraternal através do qual não consigo evitar escutar seus clamores. Seus gritos. Sua dor ao ser separada de tudo o que conhece, de ser tirada de mamãe. Sei exatamente como é isso.

- É tudo minha culpa. - Minha voz sai como um sussurro fraco e meu olhar se perde na mesa à minha frente. - Eu fiz isso. Fiz todos ficarem loucos. - Meu cenho franze quando olho para o médico novamente. - Isso tem cura?

Sua postura é tão severa quanto seu olhar para mim. Isso me preocupa. O que ele está pensando de mim?

- Fale-me sobre seu agressor.

Meus lábios se curvam em um sorriso que sei que não devo dar. É malicioso. Não é civilizado nesse momento, mas agressor não é a única coisa que ele foi para mim.

- Ouvi dizer que ele foi para a cadeia. Bem feito.

- O que você sente em relação a tudo o que aconteceu?

Não hesito.

- Raiva.

- Está tudo bem sentir raiva, Kylie. O que mais?

Uno os lábios como se estivesse impedindo a mim mesma de proferir uma série de palavrões.

- Eu o odeio. Com todas as minhas forças. Ele fez coisas ruins comigo. - Meus músculos endurecem e minhas mãos se transformam em punhos cerrados sem que eu possa controlar. - Ele... ele... - Minha voz está mais estrangulada do que gostaria e tarde demais me dou conta de que estou passando mal.

- Tenha calma, Kylie. Não perca o controle. - A voz confiante chega até mim como aço, mas não estou realmente escutando-a para obedecer. Minha mente já se perdeu há muito tempo. - Respire fundo. Tudo bem se sentir que não pode continuar. Podemos fazer isso outro dia.

Outro dia, ele disse. Não posso ficar outro dia nesse lugar. Meu lugar não é aqui. Minha respiração fica pesada enquanto vou percebendo que ele acha que sou louca.

- Eu não sou louca - afirmo, olhando-o por sob minhas sobrancelhas como se minha cabeça estivesse pesando demais. Ela está balançando de um lado para o outro em negação, como se tivesse vida própria. - Não sou... louca. Não sou.

Seus braços se apoiam sobre a mesa quando ele se inclina para falar perto de mim.

- Está tudo bem. Sei que não é.

Mentiroso. Ele não acredita em mim. A minha história é real, mas ninguém na sala parece acreditar no que estou contando.

Ninguém gosta da verdade.

Ninguém gosta de saber que somos verdadeiros animais em um mundo selvagem.

- Eu não sou louca! - grito ao mesmo tempo em que me levanto com brusquidão, derrubando a cadeira atrás de mim. - Vocês têm que matá-lo! - imploro, mal sentindo as lágrimas derramando em minhas bochechas. Sou contida pelos dois enfermeiros que estão segurando meus dois braços. - Ele vai fazer mal a outras pessoas! Ele precisa morrer! Ele tem que morrer!

Meus próprios gritos são como o barulho de uma campainha aguda ressoando constantemente em minha cabeça. Debato-me e luto com os dois homens vestidos com roupas claras, que me apertam com força para que eu pare de me mexer.

Ao me ver sem saída, dou um grito longo e estridente de frustração que retumba entre as paredes.

Fecho os olhos e a dor vem com tudo.

A realidade me atinge como um furacão violento, levando embora tudo o que resta de mim. Minha compaixão, minha sensibilidade, minha racionalidade. Estou perdendo tudo.

A vida está acabada.

Meu choro se torna convulsivo e forte. Choro o sofrimento de uma vida inteira, tudo o que esteve reprimido dentro de mim, diante daquelas pessoas que não conheço.

- Olhe para mim - ele diz. Faço isso com relutância. - Sei que pode parecer o contrário, mas esse não é o fim. Você ainda pode ter a vida que quer, pode ter qualquer coisa que deseja alcançar. Podemos ajudá-la. Você entende isso?

Pisco para ele, ainda em dor por estar ciente do que fizeram com meu corpo, contra minha vontade.

Que tipo de ajuda resolve isso?

Que ajuda tira isso da minha mente e do meu coração já destruído?

Meu único desejo é abandonar tudo e me entregar. Penso que até mesmo a morte seria uma saída eficiente. Tenho pensado em suicídio por quatro anos e, após ser encontrada pelos policiais, esse pensamento está pedindo para ser realizado.

Então, algo na minha mente bagunçada grita que existem mamãe e minha irmã.

Elas estão tão ferradas quanto eu.

Minha culpa. Tudo minha culpa.

Minha família... Eu as amo.

Preciso ajudá-las.

Mas primeiro, preciso me ajudar.

Escândalo [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora