Capitulo III

348 23 2
                                    

Percorri aqueles bosques verdes pensando sempre no porquê de eu não puder libertar tudo o que sinto dentro de mim. Estava farta de acender umas velas e apagar, coisas desse genero. Eu queria mais. Mais e mais. Queria depender do que eu podia realmente fazer. Não tem senso algum eu sentir-me presa em mim mesma, se isso é sequer possivel. Olhei os pequenos esquilos a correr em liberdade, nem sabem eles a sorte que têm, pois neste momento era tudo o que eu queria, liberdade.

Demorei poucos minutos a chegar a casa. Eu vivia na rua nº 12 onde todas as casas eram iguais. Eram todas de um avermelhado escuro, mais propriamente cor de vinho. Apesar de uma delas ser a minha casa, eram incrivelmente feias. 

Mal cheguei, entrei e dirigi-me de imediato ao sotom, que ficava no topo da casa. Subi as escadas caracol. 

O sotom era onde a minha familia mantinha guardado tudo o que nos ligava a qualquer indicio de magia e o meu pai passava lá dias e noites. Ele era muito solitário. Quer dizer ele não era, ele ficou assim.

Ele nunca conseguiu ultrapassar o facto de ter perdido os seus poderes, ele estava habituado a eles, quando os perdeu foi como se tudo deixasse de fazer sentido. Ele amava-me e demonstrava-me isso das maneiras mais estranhas possiveis, como por exemplo fazer-me torradas, ou vir me cobrir a noite. Ele mostrava pouco afeto, porque apesar de me amar incondicionalmente, ele também me odiava por ter ficado com o que era dele.

-pai?- perguntei abrindo lentamente aquela maldita porta que rangia.

- diz - respondeu-me rudemente.

Eu já estava estranhamente habituada, já não me fazia a minima diferença.

- Tu quando tinhas a minha idade tiveste que fazer uma aliança? Como o que eu tenho que fazer? - estava a rezar profundamente para que ele dissesse que não.

- Não, mas tu tens que fazer. - afirmou sem tirar os olhos de um dos seus livros velhos para me encanrar.

- Mas pai, eu não quero. Eu sinto este acomular de poder dentro de mim, e não poder 'solta-lo' esta a desgastar-me. - disse com a maior sinceridade.

- Estamos em mundos diferentes, em casas diferentes com pessoas diferentes. Para estares protegida tu tens inevitavelmente que fazer a aliança e agora gostava que se fizesse sossego.

O meu pai decididamente não tem os parafusos em dia. Era sempre assim, sempre. Sempre que queria ter uma conversa minimamente séria com ele, ele expulsava-me passado cinco minutos.

Sai do sotom e dirigi-me á cozinha. Estava vazia, como sempre estava.

O meu pai, além de estar sempre fechado não contribuia absolutamente nada para sustentar esta familia. A minha mãe era obrigada a trabalhar desde as 7 da manha até as 11 da noite. Isto é normal? Não. Mas a minha mãe é cega de amor por ele. Ela é capaz de fazer seja o que for por ele. É como se ele ainda fosse um pequeno bébe a quem precisamos de ensinar e dar tudo.

Isso era o que mais me irratava tanto na minha mãe como no meu pai. O facto de serem tão....tão....incompreensiveis.

Fiquei cerca de 1 minuto na cozinha a olhar, não sei para o quê, apenas a olhar. Mas rapidamente voltei a mim e decidi ir dar uma volta, uma longa volta.

Caminhei por aquelas extensas ruas. Pensei e pensei. Acho que tudo o que me veio á cabeça, qualquer coisa, eu analisei. Passaram-se horas, até que me apercebi que era noite, e não devia ser assim muito cedo.

Olhei para o meu relogio de pulso branco e já eram 22:00h. Olhei á minha volta e apesar do esforço, não me consegui lembrar em que rua estava.

O meu estomago deu horas, já não comia desde o almoço, estava esfomeada.

Observei melhor aquela rua, e avistei numa esquina um cafe chamado '12 horas sempre consigo'. Era a minha salavação naquele momento.

Entrei. Aparentemente aquilo não era um café, mas sim um restaurante. E só de olhar, pareceu-me extremamente caro.

Meti as mão aos bolsos, após mes sentar numa mesa perto da janela, e tirei as moedas todas que tinha.

Tinha cerca de 3 dólares. Aquilo não me ia dar para nada, mas tentar não custa nada.

Passado um minuto de me ter sentado, a empregada apareceu com a normal pergunta: 'boa noite, que vai desejar?'.

E logo após a pergunta dela, eu tenho a certeza que fiz a pergunta mais estupida que se pode fazer num café como aquele.

-pode me dizer se há alguma coisa que custe 3 dólares?

-lamento muito mas não... - respondeu-me com um sorriso a tentar fugir-lhe de entre os lábios.

Não a posso julgar. No lugar dela teria a mesma reação.

Respondi-lhe com um simples 'obrigada' e quando me ia a preparar para abandonar o restaurante, um rapaz interrompe a  empregada, muito bem vestida, sussurrando-lhe algo e de seguida dirigiu-se a mim e mandou-me sentar.

E, apesar de ele ser um desconhecido, eu sentei-me.

Mas quem era ele? perguntei a mim mesma. Parecia uns 5 anos mais velho que eu.

Eu nem sei se devia estar com medo ou aliviada porque provavelmente ele me ia pagar o jantar.

Ele sentou-se na cadeira á  minha frente, muito direitinho a observar-me. O olhar fixo dele fez-me rir, não suportei. Olhar para alguem como ele, que decerto não tinha nada haver comigo foi hilariante. Num dia normal não seria, mas eu estava cheia de fome.

Ele pareceu me filho de boas familias, o fato preto não enganava ninguém. 

Ele não era muito bonito, mas também não era feio. Era alto, bem mais alto que eu, era moreno, mas não aquele moreno feio mas sim aquele moreno brilhante. Tinha uns breves caracois na parte baixa do cabelo castanho, que lhe dava um pequeno charme. Tinha uns olhos escuros que apesar de não serem os tipicos olhos verdes ou azuis, conseguiam ser profundamente bonitos.

- o que é que estás a fazer num restaurante como este com apenas 3 dolares? chega a ser hilariante. - ao dizer isto, ele manteve sempre o seu ar sério que me continuava a fazer suportar o riso.

- eu não sei, mas como estou um bocado longe de casa e já é tarde e estou cheia de fome, tinha esperança que aqui houvesse um donut. - tenho que admitir que a parte do donut foi simplesmente uma tentativa, provavelmente falhada, de o fazer sorrir.

-o quê? tu sabes o quão estupido isso suou?  e porquê que não te paras de rir? estás a sentir a 'adrenalina' de fugir de casa dos papás? - ok, definitivamente não gostei daquela frase, mas como estava com fome, e queria que ele pagasse o jantar, continuei a responder.

- eu não fugi de casa idiota,só vim dar uma volta e por mero acaso acho que me perdi um bocado.. - depois de o dizer em voz alta, provavelmente estava mesmo a fazer figura de parva.

- mas que idade tens tu afinal? uns 12 ou 13?

- e tu tens uns 30? - afirmei no preciso momento em que a empregada pousou o prato com um bife, batatas fritas e arroz. 

Para um restaurante chique, aquilo não me pareceu nada chique. Mas eu estava esfomeada, comia qualquer coisa naquele momento.

- diz lá que idade tens - disse ele com os olhos postos na minha maneira á javali de comer.

- tenho 17- respondi rapidamente colocando outra garfada na minha boca- e tu?

- 24 - respondeu , agora a olhar pela janela no nosso lado esquerdo.

-noutras circunstancias não aceitava comida de um estranho, ainda por cima um velho.

Ele sorriu. Ele FINALMENTE sorriu. Eu sorri também, um pouco desfarçadamente, mas sorri.

AvalonOnde histórias criam vida. Descubra agora