Capítulo 2

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Cairon,

Terminei de ler a sentença, e fechei a pasta dos autos. Era assim que eu encerrava o meu último dia de trabalho naquele lugar. Lugar que me acolheu e fez de mim, o que sou hoje.
- Sessão encerrada! – Bati o malhete sobre a mesa e me levantei.
Era de se esperar que todos agora se levantassem e saíssem do recinto. Só que enquanto alguns se levantavam e saía, outros entravam. Era como se houvesse outra sessão e eu mesmo não me lembrava.
Cochichei com o promotor, sobre o que estava acontecendo e ele simplesmente pediu que eu esperasse um minuto apenas.
- Gostaria de pedir a atenção de vocês, para esse momento da sessão, para fazermos uma homenagem de despedida ao eminente Juiz Cairon Filho. Considerando que ainda essa semana será aclamado Desembargador, e a pedido do governador do estado, passo a palavra ao Doutor Luiz Antônio, procurador geral do estado.  – Eu esperava que fossem fazer algo nesse sentido, mas não aqui. – Para falar em nome do ministério público.
- Bom... Minhas palavras serão breves, - Ele de fato era conhecido pela brevidade de suas palavras. – Embora a figura do homenageado seja digna de cumprimentos e elogios alongados, tendo em vista a excelência da atividade jurisdicional que prestou a nossa corte regional.
Eu de fato não o conhecia, e nem ele a mim, mas não tardou muito nos aproximarmos. Segundo ele a forma que me via analisar os casos, e modo pelo qual proferia o veredito. Uma vez me disse isso pessoalmente.
- Eu quero de modo particular agradecer ao Cairon, mas quero citar um grande escritor, no qual ele fala dos ficantes e dos partintes, elogiando os partintes e enaltecendo os ficantes. – Ele contou uma piada sobre os ficantes de hoje. E todos nós rimos. – Mas a pessoa que vai e deixa saudades significa que enquanto esteve, ela fez um trabalho marcante e de coragem. E fez a diferença. Isso quer dizer... O senhor está muito bem preparado para seguir os passos que tantos outros seguiram. Se não fosse assim, com certeza não teria obtido tal posto. Aceite o cumprimento de toda comarca e de todos os que trabalharam com o senhor nessa casa. – Aplausos e apertos de mão. Mas os abraços foram os que mais me deixaram emocionados. Vieram de todos. Principalmente dos que tinham cargos menores, e pelos quais eu tive carinho desde o meu primeiro dia na casa.
A senhora da limpeza, não era mais uma simples funcionária. Se tornou uma boa mulher que passou a fazer parte do meu círculo de amizade.
Quando terminei de descer o último degrau meus olhos se encheram de lágrimas.
A Rua dos Poderes estava parada. Todos os funcionários estavam ali. Eu não conhecia a todos mas sabia que trabalhavam ali. E mesmo dizendo que não estaria aqui ela estava. Minha esposa. Meus amigos. Minha família. Eu tive certeza de que não estava sozinho. Não era um sonho somente meu, mas de todos os que faziam parte de minha vida. Uma conquista coletiva.
Enquanto eu olhava para as faixas e cartazes e me preparava para pegar cada uma das flores nas mãos das pessoas, a Liara veio ao meu encontro e beijou meu rosto.
- Olha amor.... Não é só sua família que te ama. Todos te admiram e te desejam o melhor.
- Eu sei!. – Não pude conter as lágrimas quando os juízes do fórum vieram me cumprimentar.
- Meu amigo. – O Breno me abraçou. – Me sinto parte de tudo isso e com o coração palpitante nesse momento te desejo felicidades na nova etapa. Você mais que ninguém é merecedor de tudo o que está vivendo. Sempre firme em suas convicções e digno em seus julgamentos. O único mal em tudo isso é saber que não nos veremos com tanta frequência.
- Não deixe de ir nos visitar e eu prometo vir sempre que puder.
- Claro. – Ele não continuou. Sei que tinha muitas palavras, mas estavam como as minhas... embargadas.
Agradeci a cada um ali presente. E se pudesse teria abraçado a todos, mas certamente isso me levaria toda a noite.
- Chegou a hora filho. – Minha mãe sorriu e apertou minha mão suavemente.
Entrei no carro e não disse nenhuma palavra. Só ouvia.
A Liara dizia que a cada havia ficado linda, e a casa de meus pais, ao lado estava de acordo com o que minha mãe havia pedido. Por duas vezes olhei pelo retrovisor e vi os olhos de meu pai encontrar o meu. Ele sabia que estava animado, mas também sentia medo do novo que estava por vir.

Quando o avião desembarcou fui aplaudido por uma plateia seleta.
Valentina e sua família. Benjamim. Pietro e Franchesca. O Murilo já nos aguardava assim como a Késsia que sorria para a Liara.
E foi uma alegria para mim, tomar café da manhã, mesmo que tivesse dormido tão pouco, acompanhado de minha família e amigos.
Eu ainda não tinha visto a casa mobilhada. Mas aprovei com certeza o resultado.
- Bem-vindo Patrão!
- Não está na hora de se aposentar, Magna?
- Só se não estiver mais gostando do meu trabalho.
- Imagina. – Abracei-a e beijei seus cabelos brancos. Ela não tinha família. Na verdade, nós éramos sua família.
Eu ainda observei toda casa de meus pais, só para depois poder voltar ao quarto e tomar um banho.
- De quem foi a ideia de abrir um portão para a casa de meus pais? – Eu não precisava perguntar. Claro que minha esposa pensava em tudo o que se passava em meu coração.
- Pensei que fosse gosta. – Ela tirou a roupa e entrou no banho.
- Só não gostei. Amei!
Quando desci naquele dia, estava extasiado demais. A Aclamação estava ocorreria depois de amanhã e eu teria que passar por um momento com uma cerimônialista para entender como seria o momento.
A cerimônia aconteceria ali, no Salão do Pleno do TRF. E ainda não tinha sequer visitado o gabinete onde seria meu novo local de trabalho.
Não tinha noção de como as pessoas me conheciam ali, mas estava grato a meu pai que insistira em me acompanhar.
Por todos que passávamos éramos cumprimentados. Alguns para dar os parabéns e outros as boas-vindas. Se não por mim, por se lembrarem de meu pai.
- Vejo aquele garotinho que vivia com os olhos fixados em você cresceu Cairon. – Olhamos os dois.  O homem abraçou meu pai e sorriu. Por muitos anos se não se referissem à Cairon pai e Cairon Filho, era muito confuso, e hoje isso voltou a acontecer. – Depois de abraçar meu pai ele estendeu a mão e olhou em volta. – Não vejo nenhum de seus filhos com você. Será que a tradição termina aqui? – Eu apertei sua mão e não fui nada modesdo.
- Um filho, e uma filha na magistratura. Quer dizer... um filho já, e a filha está chegando lá. – Ele sacudiu a cabeça.
- Queria ter tido essa sorte. Fiz de tudo para que meus filhos optassem pela carreira jurídica, mas os três fizeram carreira em outra área. Bom.... Nos vemos mais tarde.
Depois que ele saiu, meu pai se aproximou e sussurrou.
- Fique o mais distante que puder. – Eu entendi o que meu pai queria dizer. Em todos os lugares haviam bons e maus profissionais. E desonestos também.
Depois de me mostrar de onde entraríamos e por onde sairíamos. Como seria o processo de troca de toga, a moça ainda perguntou por alguém.
- Alguém viu a desembargadora Patrícia Cantareira? – Não tínhamos visto mulher alguma por ali. E só fui entender quando estamos de saída. Uma mulher tropeçou em mim.
- Desculpa. Perdi o voou. E aqui o taxi provavelmente gastou mais tempo para chegar que o necessário. Só para me cobrar um preço exorbitante. E para piorar nem sei para onde fica o condomínio no qual aluguei uma casa.
A moça estava ofegante e olhava para a porta fechada.
- Ah. Desculpe... – Estendeu a mão. – Sou a futura desembargadora Patrícia Cantareira. Isso é... Se me deixarem ser aclamada depois disso. – Meu pai sorriu e consolou a moça.
- Não seria pela perca do ensaio que tirariam sua promoção.
- Deus o ouça. – Depois de indicar para onde a cerimonialista havia se dirigido, nós entramos no carro que nos esperava, e voltamos para casa.
Naquela noite, eu tive uma conversa com a Liara e na manhã seguinte fui até a casa de meus pais falar o que havia decido.
- Como é bom ter você aqui ao lado filho. Esse foi e está sendo o melhor de tudo. – Beijei minha mãe e sentei-me para tomar um café com eles.
- O que te traz tão cedo filho. – Meu pai era certeiro. Sabia que minha presença era por algum motivo.
- Ontem a moça me lembrou que preciso trocar a toga durante a cerimônia. E eu gostaria de que fosse vocês a estarem lá.
- Mas filho e sua esposa? – Minha mãe sentou-se.
- Foi ideia dela. Quando fui falar sobre o momento ela disse que... "Teremos muitos momentos especiais ainda pela frente".
A resposta de meu pai, foi uma lágrima rolando pelo rosto. E eram raras as vezes em que eu via meu pai deixa-las cair.
- Teremos muito orgulho em estar mais esse momento com você filho! Muito mesmo!
Me levantei e beijei meus pais voltando para casa, pelo portão da frente.
Quando fechei o portão atrás de mim, senti que havia esbarrado em alguém.
- Perdão eu...
- Você? – A moça apenas se desequilibrara e já estava sorrindo.
- Ah sim...
- Isso Patrícia. Nos conhecemos ontem. Que coincidência, não é? Mora aqui?
- Nesta casa. – Pontei para a casa do lado, já que ela pensava que morava na casa de meus pais.
- Agora só falta me dizer que será aclamado Desembargador amanhã também. – Sorri confirmando.
- Cara que loucura. Sabe que não acredito em coincidência, não é? Acho que tudo é providencia divina.
- É?
- É! – Ela sorriu. – Gato eu não cheguei até aqui atoa. Trabalhei muito duro para isso.
- Eu acredito. E agora.... Se me der licença. – Quando me afastei ela gritou.
- Não me disse seu nome.
- Cairon. – Depois me lembrei de meu pai e acrescentei. – Cairon Filho. - Acenei já me afastando.
- Que lindo! Desembargador Cairon Filho. A gente se vê.
Não! Por mim as coincidências terminavam ali.

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