Um

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Dizem que toda a sua vida passa diante dos seus olhos quando você esta prestes a morrer. Imagine que desagradável. Você ver tudo que você já fez diante dos seus olhos, todos os erros, suas vergonhas... Tudo isso em apenas um minuto.

Espero que com meus pais não tenha sido assim. Eles morreram quando eu tinha apenas três anos de idade, e por obra do destino, fui à única sobrevivente. Ainda não tenho certeza de como, mas tenho minhas suspeitas. Acho que foi Deus.

Quando vim morar com minha tia (que é ateia), ela me contou sobre o acidente, e também que eu fui à única sobrevivente, mas nisso eu já tinha nove anos.

Depois de um tempo, comecei a frequentar uma igreja que ficava aqui perto de casa, sempre tendo que brigar com a minha tia, que não queria me deixar ir, por causa da sua religião. Mas eu sempre seguia meu coração, e ele sempre me mandava ir para a presença de Deus.

Quem me convidou para ir foi uma amiga minha de colégio (Minha tia mandou eu me afastar dela, mas é claro que eu não fiz).

Já falei muito da minha vida, mas ainda não me apresentei. Me chamo Jéssica, tenho 16 anos. Quando me olho no espelho, vejo uma menina de cabelos ruivos, pele branca cheia de pequenas sardas e olhos grandes e verdes. Muitos dizem que sou uma beleza rara, mas já vi muitas garotas mais bonitas que eu. Não me importo com isso, pois beleza nunca foi um assunto importante para mim.

Vivo em Paris com minha tia. Morava em Nova York com meus pais antes do acidente, mas Deus me trouxe para cá. A vida aqui não é só beleza e alegria como todos acham. Passamos muito trabalho aqui, principalmente no inverno. O frio nas ruas é de congelar o ar e onde moro não chegamos a ter dinheiro suficiente para aguentar tanto frio, mas minha tia sustenta a mim e a seu filho, então não posso reclamar.

Aliás, nunca passamos fome e nunca tivemos frio o suficiente para acabarmos indo para o hospital, como tem acontecido com muitas famílias.

Minha tia se chama Rebecca, ou Becca, como gostamos de chama-la. Ela tem 36 anos, e um filho de nove, que se chama Jonas. Ela me aceitou em sua casa quando estava com 23 anos, logo depois do acidente. Casou-se com Felipe quando estava com 26 anos. Um ano depois, ela engravidou.

Felipe era um homem de 30 anos quando se casou com Becca. Ele era militar. Nuca soube muito sobre ele. Quando Jonas completou dois anos, veio uma carta a minha casa, dizendo que Felipe tinha falecido na guerra, e que seu corpo seria enviado para Paris no dia seguinte.

Minha tia nunca mais se casou depois de ser viúva aos 29 anos. Sempre a tratei como mãe, e Jonas, como irmão. Essa era a minha família, e sempre seria assim.

Minha tia entrou no quarto e me tirou dos meus devaneios.

_Não vai comer? – Pergunta ela.

_Não estou com fome.

_Mas você não esta com fome há três dias. Precisa comer ou vão achar que estou lhe negando comida.

Nós duas rimos, e ela se sentou ao meu lado na cama.

_O que tem acontecido com você? Nunca foi de negar nada, muito menos comida.

Eu enrubesci de leve, e comecei dobrar e desdobrar o vestido esmeralda que eu estava vestindo naquela manhã.

_Não sei mãe. Acho que são as preocupações. Fico pensando nos problemas que estão para vir junto com o inverno. O frio, a segurança de Jonas, de você. Não consigo aguentar assistir a tudo isso e não poder fazer nada.

_Você já faz muito por nós, querida. Este ano será bem mais fácil do que os anteriores. Você começou a trabalhar e eu ganhei um aumento. Com o dinheiro que você nos trás eu consigo comprar nossa comida e com o meu salário, eu posso garantir que não passamos tanto frio esse ano. Tudo vai ficar bem filha. Eu prometo. Agora vamos comer.

Ela se levantou e saiu, enquanto eu fiquei pensando no que ela havia dito.

Me levantei, sai do quarto e desci as escadas em direção á cozinha. Ela tinha razão. No final, tudo iria ficar bem.

O Encanto da Sereia (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora