Dois - A Descoberta

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Minha mãe estava certa. As coisas realmente mudaram. Minha mãe estava certa.

Poucos dias depois da nossa conversa, o inverno chegou. Todo mês eu entregava metade do meu salário para minha mãe. Ela dizia que eu não precisava entregar tudo, mas eu sempre queria ajudar cada vez mais.

Uma semana depois, não estávamos mais passando frio e as aulas começaram. Saí cedo, com Jonas ao meu lado. Quando chegamos à porta, vi Serena estacionando o carro em frente a minha casa.

Nesse dia, eu e ela estaríamos completando um ano de amizade. Conheci ela no primeiro dia de aula no ensino médio, quando ela me viu esperando o ônibus e resolveu me dar uma carona. Depois disso, já passamos por muita coisa juntas, inclusive problemas com a minha mãe.

Serena mora praticamente sozinha. Depois que seus pais se divorciaram, ela se mudou com sua mãe para a nossa cidade. Sua mãe vivia viajando, então ela passava a maior parte do seu tempo na minha casa brincando com Jonas, ou desabafando os seus problemas comigo.

Ela é muito bonita, e sempre ganha convites para as melhores festas. Ela tem olhos bem pretos, grandes e redondos. Uma pele morena puxada para o pálido e cabelos castanho claro, grandes, brilhosos e ondulados.

Depois de colocar o cinto de Jonas no banco de trás, me sentei do lado de Serena, que me olhou com animação.

_Você nem imagina o que aconteceu comigo nas férias. – Disse ela, o que me deixou preocupada.

_O que você aprontou dessa vez?

_Você fala como se eu fosse a pior pessoa do mundo. – Diz Serena, com um tom de falsa ofensa.

_Mas toda vez que você diz isso, posso ter certeza de que vai vim problema.

_Engraçadinha. – Disse ela rindo e me dando pequenos tapas no ombro. – Então, continuando, fui à festa do Patrick, acabei bebendo de mais e passei a noite toda na lagoa. Cada coral lindo no fundo do mar que se você pudesse ver...

_Espera – Disse espantada. Ela me encarou com olhos arregalados.

Estava assustada. Como assim passei a noite toda na lagoa? Fundo do mar? Ela vivia fugindo de festas na piscina, nunca foi com a minha família a praia porque não sabia nadar, e agora ela diz que passou a noite toda na lagoa, que foi ao fundo do mar. Estou assustada, mas com um pouco de raiva. Por que ela deu tantas desculpas para nós? Por que simplesmente não rejeitou? Vou tirar isso a limpo. E vai ser agora.

_Você não vivia dizendo que não sabia nadar? Se não sabia, o que foi fazer no fundo do mar? – Perguntei com certo tom de acusação, que nem eu mesma sabia que existia.

_Jéssica, eu não poderia te explicar, você não entenderia... – Diz Serena, começando a lacrimejar aos poucos.

_O que eu não entenderia? Poxa, sempre conto para você tudo sobre a minha vida, e você nem tenta me explicar, já diz que eu não entenderia. O que eu não entenderia, Serena?

Eu estava irradiando raiva, mas nem me importava. Estava muito magoada com Serena. Ela sabia tudo sobre a minha vida, mas ela ainda não tinha a confiança necessária para me contar o que estava acontecendo com ela. Por acaso eu não era sua amiga? Estava apenas me iludindo?

_Eu vou lhe explicar tudo, mas não aqui e nem agora. Vamos para o colégio, levamos Jonas para casa e á tarde nós vamos ao café Chaillot e conversamos. Daí vou explicar tudo que tiver que explicar para você. Tudo bem?

Estava com muita raiva. Queria resolver tudo isso aqui agora, mas ela estava certa. Eu odiava que os outros estivessem certos e eu, errada, mas pelo menos eu conseguia admitir. Esperaria até o almoço. Não vou insistir mais. Estou muito ansiosa, mas não posso fazer nada. Vamos ver onde isso vai dar.

Fizemos tudo o que sempre fazíamos pela manhã e avisei minha mãe que iria ao café Chaillot com Serena, pois precisávamos muito conversar.

Nunca vou me acostumar com a vista que eu via pela janela do café. Aquele lugar é o meu preferido em Paris, pois conseguia comer e visualizar a deslumbrante Torre Eiffel, os turistas que caminhavam pela rua olhando admirados para todos os lados, pois em Paris, qualquer lugar que você olha fica instantaneamente admirado e de vez em quando passavam casais apaixonados correndo pela rua como crianças. Eu tinha inveja deles, e sabia que eu nunca teria um momento como esse.

Eu estava começando a me arrepender de ter insistido para Sabrina me contar o que ela estava escondendo logo que cheguei ao pequeno café. Toda vez que ela queria me contar alguma coisa ruim ou triste, ela me trazia aqui, pois sabia que só olhando para a vista de fora da janela me acalmaria.

_Jéssica, está me ouvindo? – Gritou Serena, e só nesse momento percebi que ela estava falando.

_Desculpa, estava olhando para fora e acabei perdida nos meus pensamentos. Pode repetir?

_Então, continuando, eu vou lhe contar o meu maior segredo. Um segredo de família. Você tem que me jurar que não vai contar para ninguém. Promete?

_Claro que eu prometo.

_Você pode ficar assustada, você pode querer correr, mas não faça barulho nenhum e nem corra, vou explicar depois. Você tem certeza que quer ouvir isso?

_Tenho. Total e absoluta certeza.

_Não me responsabilizo pela consequência disso. Lá vai. – Ela suspirou, fechou os olhos e começou a mexer os lábios como se estivesse fazendo uma oração. Quando abriu os olhos novamente, me olhou atentamente. Eu já estava em estado de nervos. Não aguentava mais esperar. O que era tão importante assim que a deixava em silêncio, ou talvez com medo de falar? – Sou uma sereia.

Gelei. Sereia? Ela só podia estar brincando. Então era isso, ela não queria me contar e inventou essa desculpa estúpida na esperança de que eu acreditasse. Que idiota que eu fui acreditar que ela queria ser minha amiga. Claro que era tudo uma farsa. Por que uma popular iria querer sair comigo, sendo que nem os nerds, ou os esquecidos queriam. Que idiota que eu fui.

Peguei minha bolsa e me levantei, mas quando tive a oportunidade de sair sem olhar para trás, Serena se levantou e me colocou de volta no sofá em que estava sentada antes.

_Jéssica, eu te falei para não correr, vou explicar tudo. – Diz Serena, prendendo meus braços na mesa.

_Explicar o quê? Eu já entendi tudo. Você esta cansada de sair comigo porque eu não sou popular que nem você e inventou essa desculpa para eu poder sair e nunca mais te procurar. Só não entendi por que você esta me prendendo aqui em vez de me deixar sair.

_Não Jéssica, não tem nada a ver com isso. Poxa, você não me deixa falar.

Suspirei profundamente. Estava irritada com ela, mas não ia adiantar de nada eu insistir em falar. Iria tentar me envolver, mesmo estando muito confusa. Não sei se devo acreditar nela ou duvidar eternamente. Só o que posso fazer é conversar.

_Como assim sereia?

_Então – Serena parecia estar meio perdida em seus próprios pensamentos. Por algum motivo, senti uma curiosidade gigantesca tomar conta de mim. Lá no fundo, eu acreditava nela. – Não sei como te explicar.

_Por que você acha que é uma sereia?

_Eu sei que sou. Por causa da minha mãe.

_Sua mãe?

_Sim. Vou te contar a história toda.

O Encanto da Sereia (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora